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Atena e as competências na constituição


Atena e as competências na constituição

Atena, amante da guerra e da sabedoria, escolheu uma região da Terra, que fosse mais favorável à geração dos humanos valorosos, semelhantes a ela própria, e ali instalou a mais admirável forma de governo que os céus já abraçaram. Inspirou os habitantes do lugar à produção das mais esplêndidas obras de arte jamais contempladas e ensinou-lhes a arte bélica, sobretudo o manejo do escudo e da lança. A civilização seguiu os ensinamentos da deusa, a orgulhou pela maneira sábia como dividiu as tarefas de governo, para garantir o florescimento social e, apesar habilmente guerreira e corajosa, somente dedicou-se à guerra para garantir a liberdade de seu povo.

A cidade original, nominada Atlântida, depois de grandioso florescimento, submergiu, foi destruída pela própria deusa, sua criadora, porque os homens se corromperam, desrespeitaram a divisão das tarefas públicas e enlamearam as atividades de governo com os vícios que permitiram apossar-se de seus corações.

Atena, entretanto, livrou os mais sábios de perecer junto com a cidade e estes deram origem ao povo que, posteriormente, fundou Atenas, a mais próspera cidade grega da antiguidade. Atenas alcançou grande poderio em virtude do estímulo ao exercício da temperança, valorização da memória de seus heróis, uso parcimonioso dos recursos disponíveis e, sobretudo, a divisão das tarefas públicas. Tal como seus antepassados, eram sábios e somente usavam a guerra para garantir a liberdade de seu povo.

O sucesso de Atenas provocou inveja nos governantes de Esparta, cidade famosa por seus vigorosos guerreiros que, por isso, romperam o pacto de paz, entre os povos gregos, que deveria durar 30 anos, e fizeram eclodir a Guerra do Peloponeso. Para ocultar o motivo real de sua conduta, a inveja dos dirigentes de Esparta em razão do pujante florescimento do império Ateniense, os espartanos, ardilosamente, acusaram Atenas de haver rompido tal ajuste e lançaram sobre ela a responsabilidade pela guerra.

Diante do desacato de Esparta, ao Pacto, e da falsidade do discurso de seus dirigentes, os atenienses cumpriram a risca a orientação ancestral de que “os homens valorosos deixam a paz para entrar em guerra quando são vítimas de injustiça, e assim que possível, quando a situação volta a ser favorável, deixam a guerra para voltar à concórdia, sem exaltar-se pelos êxitos obtidos mas, também, sem suportar a injustiça pelo prazer que proporciona a tranquilidade e a paz”. Em 371 a.C os espartanos sucumbiram, perderam a supremacia militar, mas todas as cidades gregas sofreram com o rompimento do acordo, mesmo a vitória não compensou as dores.

Os povos modernos também dividem e distribuem as atividades de governo entre pessoas diversas e, igualmente, se servem de pactos para mantença pacífica desta ordem estabelecida. Os acordos modernos são expressos através das Constituições que instituem os Estados.

No caso da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o pacto é fundado sobre a divisão de competências. Estas são distribuídas tanto entre os Poderes públicos: Legislativo, Executivo e Judiciário, quanto entre as pessoas políticas: União, estados-membros, Distrito Federal e municípios.

O exercício de qualquer atividade pública somente é válido se for desenvolvido dentro dos expressos limites de competência fixados pela Constituição da República. Ações, de agentes públicos, fora da respectiva área de competência delimitada pela Constituição, violam o pacto federativo estruturante da democracia brasileira. A condução dos agentes públicos dentro dos limites de competência constitucional não apenas é requisito de segurança do funcionamento democrático e condição de sobrevivência deste sistema, é elemento do sistema federativo brasileiro.

Se o agente público pratica ato fora do limite de competências delimitado constitucionalmente para a entidade pública cujos quadros integra, não lhe socorrem as garantias conferidas ao respectivo cargo ou função.

O funcionamento democrático do Estado depende da fidelidade dos agentes públicos, exercício das competências públicas, à normatividade constitucional. A democracia real exige lealdade e proatividade entre os entes públicos, para concretização dos objetivos de Estado expressos pelos artigos 1º e 3º da Constituição.

As normas constitucionais de divisão de competências político/administrativas, atribuem, à União, e somente a ela, o poder/dever de planejamento e promoção da defesa do interesse público, em situações de calamidade, bem como de mobilização nacional para sua superação. É o que dizem os incisos XVIII, artigo 21 e XXVIII, art. 22. Trata-se de competência exclusiva da União, qualquer outra pessoa política que execute tais atribuições, incorre em usurpação de competência. As providências de enfrentamento de calamidades, a exemplo da atual pandemia de Corona Vírus, estão inafastavelmente vinculadas a esta normatividade constitucional.

Como a competência para planejamento e promoção de ações de enfrentamento de calamidades é exclusiva da União, as demais unidades da federação estão proibidas de exercê-la. Diz o §1º, artigo 25, da Constituição de 1988 que se atribui, aos Estados-Membros, as competências que não lhe sejam vedadas pela própria Carta Constitucional. Então, estes podem realizar planejamentos e providências de âmbito local, para enfrentamento de calamidades, inclusive esta gerada pela pandemia de Corona Vírus, desde que não diminuam a eficácia do planejamento nacional ou dificultem sua execução.

Os planos e ações dos Estados-membros e das demais pessoas políticas da Federação, somente são juridicamente válidos se tiverem conteúdo suplementar, do planejamento nacional, e se contribuírem para potencializar sua eficiência. Qualquer conduta que diminua ou dificulte a execução da competência nacional de enfrentamento de calamidades, viola a divisão de competências da Federação.

Tal subversão normativa causa duas ofensas simultâneas: violação do pacto federativo de proatividade entre as pessoas políticas para concretização dos objetivos do Estado democrático brasileiro, e usurpação de competência político-administrativa conferida exclusivamente à União. Nessas condições, a ação do agente público respectivo caracteriza abuso de poder porque instala uma ordem de atividade voluntarista e constitucionalmente inadmissível. A corrupção das atividades de governo, que enlameou a divisão das competências públicas em Atlântida foi punida por Atena com a destruição da cidade. A deusa condenou Atlântida ao afundamento sob as águas do mar.

Os Atenienses, descendentes da valorosa população de Atlântida, cumpriram os ensinamentos da deusa, respeitavam a distribuição das tarefas de governo e as executavam com dignidade. Ademais, corajosamente, defenderam a liberdade de seu povo, segundo os ensinamentos bélicos ancestrais. Atena ergueu seu escudo de ouro em defesa da cidade e arremessou sua lança contra os espartanos.

Atena nos inspire a arrostar a injustiça normativa causada por eventuais usurpações de competência que ameacem a forma de Estado instituída pela Constituição de 1988. Usemos os instrumentos constitucionais próprios para afastar este perigo. Não nos entreguemos ao comodismo da omissão quando nosso pacto constitucional periclita ser violentamente rompido, o preço seria, fatalmente, a morte da democracia e a causa seria a deserção de seus guerreiros.

  Deus nos ajude!



Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. I N.º 01 - ISSN 2764-3867


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