Ficção versus realidade
Por sugestão do meu filho Lucas, assisti à série SILO, da Appletv plus. Os filhos, normalmente, são mais antenados do que nós, e as dicas que os meus filhos me dão, sobre filmes e séries, costumam ser imperdíveis. Com essa, não foi diferente.
SILO é uma narrativa pós moderna, baseada na trilogia literária de Hugh Howey. Aparentemente, passa-se em um futuro depois do Apocalipse, em que os últimos dez mil habitantes da terra precisam viver em um silo subterrâneo, pois o ambiente exterior é repleto de gases tóxicos letais.
No interior do fosso, o passado precisa ser descartado, nenhuma relíquia que traga lembranças da vida anterior pode ser guardada, não há registros históricos e os “pais fundadores” da comunidade são os únicos “deuses” a serem venerados.
Entretanto, ninguém sabe ao certo como o buraco abaixo da Terra foi fundado, quem foram os tais fundadores e de que forma a vida terrena se deteriorou. Em Silo, falar do passado é crime, punível com o banimento e a expulsão do território, para o mundo exterior. Ninguém conhece mais nada, exceto o que está no interior do fosso.
Entretanto, nem tudo é o que parece… Uma engenheira chamada Juliette (Rebecca Ferguson), percebe as discrepâncias do sistema, após o assassinato de seu namorado. Começa a investigar e descobre que a alienação que é criada, no interior do silo, para que as pessoas não ousem sequer pensar em outra vida possível, serve para encobrir uma realidade bastante diversa…
Juliette começa a duvidar da impossibilidade de vida na Terra, investigando o passado, para compreender o presente. Várias mortes começam a ocorrer, episódios inexplicáveis, a fim de que as revelações sejam encobertas e a narrativa seja preservada.
O Judicial, instituição que trabalha para punir e coibir, manter a ordem e a harmonia na comunidade, mostra sua outra face, sendo capaz de quaisquer atos, para que tudo permaneça como está. Juliette, que agora é a xerife, percebe as contradições do sistema e investiga cada vez mais…
Hugo Von Hoffmannsthal já dizia que não há nada que esteja na política, que já não tenha sido previsto pela literatura. Afinal, o escritor faz uma leitura da sociedade, colocando no papel as tendências que nos rondam.
Embora Silo seja uma distopia, a série reúne muitos elementos que exigem de nós uma reflexão. Será que temos acesso à verdade, ou aceitamos o que nos é dito como verdade, sobretudo pelo que nos chega pela mídia?
Até que ponto não estamos recriando, como sociedade, o mito da caverna, de Platão, no qual as sombras reproduzidas na caverna, induzem todos à imaginação sobre a realidade, que não corresponde ao que é verdadeiro?
No mito contado por Platão, há mais de dois mil anos, Homens presos a grilhões, em uma caverna, vêem reflexos do sol, nas paredes e têm receio de arriscar-se do lado de fora, por medo de serem devorados por monstros.
Acontece que um deles liberta-se e sai, e ao ver o sol e a beleza do exterior, retorna à caverna, parra contar a novidade aos companheiros de escuridão. No entanto, é desacreditado e morto pelos outros, que preferem crer nas sombras e se manter acorrentados pelo medo.
O mesmo acontece em Silo. Ao terem sua verdade contestada por Juliette e pelo xerife que a antecede – e acaba banido – as autoridades do fosso revoltam-se e a estrutura começa a ruir, pois a ordem ilusória não se sustenta, exceto pela política do terror.
A série nos leva a uma profunda reflexão sobre o mundo moderno, as nossas crenças, o que nos chega aos olhos e ouvidos e naquilo em que devemos confiar. A verdade liberta, mas para isso, esta precisa ser conhecida.
“Afinal, você vai acreditar em mim, ou nos seus próprios olhos?” Groucho Marx
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 38 - ISSN 2764-3867
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