O faraó do Êxodo
- Neto Curvina
- 5 de abr.
- 6 min de leitura

Moisés é o homem mais importante do Antigo Testamento, não só pelo aspecto histórico, mas também pelo teológico. Sua jornada com Deus é incomparável e algumas passagens deixam isso bem claro, como, por exemplo, Números 12:6-8, “E disse: Ouvi agora as minhas palavras; se entre vós houver profeta, eu, o Senhor, em visão a ele me farei conhecer, ou em sonhos falarei com ele. Não é assim com meu servo Moisés que é fiel em toda a minha casa. Boca a boca falo com ele, claramente e não por enigmas; pois ele vê a semelhança do Senhor; (…)”.
Moisés é um tipo de Cristo, não só pelo viés tipológico, mas também pela narrativa profética. E um desses pontos cristofânicos tem passado despercebido pelo senso cristão comum: o genocídio que antecede a vinda do Messias. Pois assim como uma execução ordenada em larga escala se seguiu à preservação da vida do jovem hebreu que viria a ser o libertador do seu povo, assim também ocorreu por ocasião do nascimento de Yeshua, quando da execução ordenada por Herodes. Pode parecer uma mera coincidência, mas se tivermos a frieza dos “teóricos da conspiração” para juntar as subliminares peças do quebra-cabeça espiritual que envolve essa geração, veremos – aliás, já estamos vendo – algo bem estranho acontecer com nossas crianças e jovens saudáveis, que têm tombado dia após dia nos parques, nas quadras e nos ginásios. Vamos falar sobre isso em textos subsequentes, porque aqui nos limitaremos a tratar das raízes históricas do primeiro evento.
Assim como Moisés é um tipo de Cristo, o Faraó, por sua vez, é um tipo de anticristo. Ele não é o único, por óbvio, Ninrode e Nabucodonosor também podem ser incluídos nessa categoria. Os “tipos” não necessariamente reúnem por si só todas as características da figura original, mas apenas elementos, que juntos compõem o retrato final. Na maioria dos filmes o Faraó do Êxodo é chamado de Ramessés, o que é perfeitamente compreensível, dado o fato de que esse nome aparece nas Escrituras em cinco passagens: Gênesis 47:11, Êxodo 1:11, 12:37, Números 33:3 e 33:5. A questão é que em nenhuma dessas passagens o nome Ramessés faz referência direta a um rei, no caso, o do Egito, mas sim a uma região ou uma cidade, o que não nos dá a certeza absoluta de que o homem que confrontou Moisés tem esse nome. Então que seria ele? Para tentarmos responder a essa pergunta desafiadora, temos que inicialmente determinar, ainda que de modo aproximado, o período em que os israelitas deixaram o Egito, o que por si só é um desafio, visto que os livros convencionais de história foram “convencidos” a deixar esse evento de lado, de tal forma que é possível encontrar alguma coisa sobre ele em obras até o final dos anos 80, depois disso foi ficando cada vez mais vago.
Estamos falando de 430 anos de convivência, e que depois se transformaram em cativeiro (Êxodo 12:40-41). É deveras notável não existir uma linha sobre isso em Heródoto. Absolutamente nada sobre a presença israelita em terras egípcias. Mas será que não há, mesmo? O recorte do célebre historiador, que reputo como um dos mais confiáveis da história, dada a vastidão de detalhes e minúcias que os seus relatos trazem, é mais descritivo do ponto de vista sócio-econômico do que precisamente histórico. Mas se observarmos algumas informações que ele dá acerca da rotina egípcia, encontramos pontos interessantes, como, por exemplo: “Ao contrário dos outros povos, que deixam as partes sexuais no seu estado natural, eles adotam a circuncisão” e “Os egípcios olham os porcos como animais imundos. Se alguém toca indevidamente num deles, ainda que seja de leve, vai logo mergulhar no rio, mesmo vestido”, ou ainda “É vedada às mulheres a função de sacerdotisa de qualquer deus ou deusa: o sacerdócio é reservado aos homens” (Heródoto, História, vol. I, Livro 2, Editora Nova Fronteira). As duas primeiras observações estão ligadas intimamente à história ancestral dos hebreus. A circuncisão foi instituída por Deus no capítulo 17 de Gênesis, e o contexto é bem curioso. Abraão, que foi o primeiro homem a receber de Deus a ordem para circuncidar, já havia estado no Egito! Inclusive, ele tinha uma serva egípcia chamada Agar, que lhe deu seu primeiro filho, Ismael, que está na raiz dos povos árabes e assim por diante, enfim. Se observarmos o modo como as Sagradas Escrituras Judaico-Cristãs se referem ao Egito, especialmente de forma profética, é impensável que Jeová pudesse ter “importado” uma prática cerimonial egípcia e transformado-a em sinal de uma de suas alianças com a humanidade e, para ser mais preciso, com o seu povo escolhido. Quando os hebreus adentraram o Egito, na época de Jacó, que já era Israel, e José, o governador, eles levaram a prática para dentro das terras do faraó. E a influência, poder e autoridade de José eram tão grandes (Gênesis 41:44), que não seria nenhum absurdo aceitar que depois de 430 anos de convivência, boa parte dela pacífica, que a prática tenha sido absorvida pelos egípcios. Assim como a rejeição ao porco, que embora tenha sido determinada por Deus aos hebreus de forma incisiva somente após a saída do Egito, nos livro de Levítico e Deuteronômio, não faria sentido, como no caso da circuncisão, ser uma prática importada do misticismo egípcio, podendo ser colocada mais na antiga sabedoria herdada desde os tempos do dilúvio. De qualquer modo, Heródoto não pode nos ajudar muito nessa questão acerca do Faraó do Êxodo.
Em sua estupenda “Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica” o professor Norman Gottwald, após pertinentes ponderações, considera algo próximo ao século XIII a.C. como sendo uma das opções mais plausíveis acerca da data do êxodo, ainda que não descarte totalmente uma possibilidade mais remota, o século XV, tendo até citado o nome do Faraó que estava no poder: Tutmósis III. Cita, por fim, um estudioso, sem mencionar-lhe o nome, que acredita que o êxodo se deu sob o reinado de Ramessés III (1176-1145), expondo um argumento interessante. Enfim, temos um ponto de partida. Ainda que um espaço de tempo de três séculos não seja algo assim tão animador. Flávio Josefo, outra fonte íntegra, nos dá detalhes fabulosos sobre a volta de Moisés ao Egito, mas em nenhum momento menciona o nome do Faraó que recebe o hebreu do exílio.
Champlin, PhD, sugere que não Tutmósis III, mas seu filho, Amenófis II, estaria no trono no período do êxodo. Aí estaríamos falando de algo próximo a 1440 a.C., e ainda dentro do contexto do século XV e acrescenta que além dessa alternativa, ainda poderia ser levada em consideração a hipótese de Ramessés II estar envolvido no evento, e então voltamos ao século XIII (Champlin, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Hagnos). Um dos métodos mais eficientes utilizado para datar o êxodo foi tomar como base a conquista de Canaã por Josué, mais especificamente a tomada de Jericó, que com mais evidências históricas do que a saída do Egito ocorreu por volta de meio século após o êxodo, essa, de fato, uma informação pertinente. Eruditos se debruçam sobre datas que vão de 1400 a.C. a 1350 a.C. Diversas cronologias foram traçadas, envolvendo, além da conquista de Canaã até a construção do Templo por Salomão, em 967 a.C. “As considerações bíblicas dão a entender cronologias mais longas antes e depois do êxodo. Nessa base é razoável considerar cerca de 1450 a.C. como uma data para o êxodo, dando margem para a migração de Jacó e seus filhos, na era quando os hicsos mantinham supremacia sobre o Egito” (Schultz, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. Vida Nova). E então voltamos ao século XV. Concorda com isso Peetz: “A estada no Egito teria durado de 1876 a 1446 (…)” (Peetz, Melanie. O Israel Bíblico. Paulinas). E destas conclusões tomamos que “Tutmés (ou Tutmósis) III morreu por volta de 1450, e seu filho legítimo, Amenófis II, sucedeu-lhe sem dificuldade” (Lévêque, Pierre. As Primeiras Civilizações. Edições 70), o que converge com a ideia de Champlin, no início do parágrafo.
Enfim, longe de querer “bater o martelo” de forma conclusiva, o que temos são dois períodos que representam duas linhas de estudo para determinar o êxodo, que são o século XIII e o século XV. Mas se tivéssemos que optar por aquele que apresenta, ainda que de forma discreta, um número mais robusto – se é que isso é possível neste caso – de evidências arqueológicas e históricas, ficaríamos com o segundo período e, desta forma, aceitaríamos sem muitos problemas que quando Moisés retorna ao Egito após um longo exílio na Terra de Midiã, quem está no trono é Tutmés (ou Tutmósis) III, enteado de Hatshepsut, a única mulher a sentar no trono de um Faraó e reinar no Antigo Egito, por conta da menoridade do herdeiro legal do trono.
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 52 edição de Março de 2025 – ISSN 2764-3867
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