“Uma bomba sobre o Japão, fez nascer o Japão da paz”
- Mauricio Motta
- 9 de abr.
- 9 min de leitura

Em 1945 chegou ao fim um dos marcos temporais mais importantes da era contemporânea e com ele surgiu um capítulo à parte, dentre os mais controversos e tristes da história humana: as explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki (6 e 9 de agosto). As duas explosões permanecem entre os eventos mais dramáticos e ainda mal explicados da história militar.
A partir dos anos 60 o movimento historiográfico de viés marxista começou a moldar uma linha narrativa que frequentemente descreve aqueles bombardeios como desnecessários, caracterizando-os como meros testes de armas nucleares ou ataques indiscriminados contra populações civis, apenas o resultado do ímpeto imperialista americano. No entanto, uma análise mais abrangente do contexto histórico, militar e estratégico revela que as decisões tomadas pelos Estados Unidos foram baseadas em uma complexa avaliação de cenários, buscando encerrar a Segunda Guerra Mundial com o menor custo possível de vidas humanas, por mais paradoxal ou contraproducente que aquela decisão possa parecer. Este artigo busca apresentar uma visão mais equilibrada, destacando os motivos estratégicos e o contexto geopolítico que levou àqueles eventos.
Em maio de 1945 a Segunda Guerra Mundial na Europa havia terminado com a rendição da Alemanha nazista. No entanto, no Pacífico, o Japão continuava a resistir ferozmente, apesar de estar em uma situação militar insustentável. Os Aliados haviam conquistado ilhas estratégicas, como Iwo Jima e Okinawa, mas a invasão do território japonês continental ainda era um desafio monumental. O Japão, sob o comando do Imperador Hirohito e de líderes militares como o General Hideki Tojo, mantinha uma postura intransigente, recusando-se a aceitar a rendição incondicional exigida pela Declaração de Potsdam.
Essa resistência fanática foi evidenciada em batalhas como a já citada batalha de Okinawa, onde milhares de civis japoneses cometeram suicídio em vez de se renderem às forças aliadas. Para os líderes militares, essa disposição de lutar até o fim era uma prova de que o povo japonês estava preparado para enfrentar uma invasão terrestre com determinação implacável.
A resistência japonesa era alimentada por uma cultura militar que valorizava a honra acima da vida. O código de honra samurai, conhecido como "bushido", desempenhou um papel central na mentalidade militar japonesa durante a guerra. Esse código valorizava a lealdade, a coragem e a disposição para morrer em combate acima de tudo. A ideia de rendição era vista como uma desonra intolerável, e muitos líderes militares acreditavam que a morte gloriosa em batalha era preferível à capitulação. Essa mentalidade foi reforçada pela doutrina do "gyokusai", que incentivava soldados e civis a lutarem frontalmente até o último homem, mulher ou criança.
A invasão do Japão, planejada sob o nome de "Operação Downfall", estava programada para começar em novembro de 1945. A operação seria dividida em duas etapas: a invasão de Kyushu (Operação Olympic) e a subsequente invasão da região de Tóquio (Operação Coronet). Estimativas militares sugeriam que a campanha poderia durar até 1947, com custos humanos catastróficos.
Os planejadores militares dos Estados Unidos previram que a invasão resultaria em até um milhão de baixas aliadas, incluindo mortos e feridos. Do lado japonês, as perdas poderiam chegar a vários milhões, considerando a disposição dos civis para lutar até a morte. Além disso, os japoneses haviam mobilizado milícias civis e preparado táticas de guerrilha, o que aumentaria ainda mais o número de vítimas. Diante desse cenário, os líderes americanos buscaram alternativas para evitar uma prolongada e sangrenta campanha terrestre.
O general Curtis LeMay, responsável pelo bombardeio incendiário de Tóquio em março de 1945, já havia demonstrado que mesmo ataques convencionais poderiam matar mais de 100 mil pessoas em uma única noite. Ainda assim, o governo japonês não mostrava sinais de rendição.
Ainda que por décadas as narrativas da escolha de Hiroshima e Nagasaki apontassem as cidades como inocentes alvos civis, sem interesses militares importantes, ou seja, tudo não passando de um cruel teste atômico, tal escolha não foi arbitrária. Ambas as cidades tinham importância militar e industrial significativa. Hiroshima era um centro logístico e de comando, abrigando o quartel-general do Segundo Exército japonês, responsável pela defesa do sul do país. A cidade também era um importante centro de produção de armamentos e um ponto de embarque para tropas. Nagasaki, por sua vez, era um dos principais portos do Japão, com estaleiros e fábricas que produziam equipamentos militares.
Além disso, ambas as cidades haviam sido poupadas de bombardeios convencionais, o que permitiria aos cientistas avaliarem com precisão o poder destrutivo das novas armas nucleares. A seleção desses alvos refletia a intenção de maximizar o impacto militar e psicológico, forçando o governo japonês a reconsiderar sua postura intransigente.
O desenvolvimento das bombas atômicas foi resultado do Projeto Manhattan, um esforço científico e industrial sem precedentes que mobilizou mais de 130.000 pessoas e consumiu cerca de US$ 2 bilhões (equivalente a mais de US$ 20 bilhões hoje). Liderado por cientistas como J. Robert Oppenheimer e Enrico Fermi, o projeto buscava criar uma arma que pudesse encerrar a guerra de forma decisiva.
A primeira bomba, apelidada de "Little Boy", utilizava urânio-235 e foi lançada sobre Hiroshima. A segunda, "Fat Man", baseava-se em plutônio-239 e foi detonada sobre Nagasaki. Ambas as armas foram projetadas para liberar uma quantidade imensa de energia, causando destruição massiva e ondas de choque que devastariam infraestruturas e abalariam a moral do inimigo.
Apesar da devastação causada pelo bombardeio de Hiroshima, a liderança japonesa ainda hesitava em se render. Alguns líderes militares acreditavam que os Estados Unidos possuíam apenas uma bomba atômica e que o Japão poderia continuar resistindo. Outros argumentavam que a rendição incondicional levaria à destruição do sistema imperial e da cultura japonesa. A destruição de Nagasaki três dias depois deixou claro que os Estados Unidos tinham capacidade de produzir mais armas nucleares.
As explosões de Hiroshima e Nagasaki causaram a morte imediata de aproximadamente 200.000 pessoas, com dezenas de milhares morrendo nos anos seguintes devido a ferimentos, queimaduras e efeitos da radiação. Embora essas perdas sejam trágicas, é importante contextualizá-las dentro do cenário mais amplo da guerra.
O Japão havia sido responsável por atrocidades em larga escala, incluindo o massacre de Nanquim, onde centenas de milhares de civis chineses foram mortos, e a exploração brutal da Manchúria. A extensão da guerra resultaria em mais mortes, tanto de soldados quanto de civis, em toda a Ásia.
As explosões de Hiroshima e Nagasaki foram eventos trágicos, mas devem ser entendidas dentro do contexto complexo e brutal da Segunda Guerra Mundial. A escolha desses alvos foi baseada em considerações estratégicas e militares, motivadas pela necessidade de encerrar o conflito com o menor custo possível de vidas. Embora o debate sobre a moralidade dessas ações continue, é essencial reconhecer que as decisões tomadas foram influenciadas por circunstâncias extraordinárias e por um cálculo difícil entre opções igualmente terríveis. A história não deve ser simplificada, mas sim analisada em sua totalidade, considerando todos os fatores que moldaram esses eventos decisivos.
Outro elemento crucial que influenciou a decisão de usar as bombas atômicas foi o papel da União Soviética no cenário geopolítico da época. Em fevereiro de 1945, durante a Conferência de Yalta, os Aliados concordaram que a União Soviética entraria na guerra contra o Japão três meses após a rendição da Alemanha. Essa promessa foi cumprida em 8 de agosto de 1945, quando a URSS declarou guerra ao Japão e invadiu a Manchúria.
Para os Estados Unidos, a entrada da União Soviética na guerra no Pacífico representava um dilema. Por um lado, a participação soviética poderia acelerar a derrota do Japão. Por outro, ela aumentaria a influência soviética na Ásia, algo que os Estados Unidos desejavam evitar. A bomba atômica, portanto, não era apenas uma ferramenta para forçar a rendição japonesa, mas também um instrumento de poder geopolítico, destinado a demonstrar a supremacia militar americana e conter a expansão soviética.
A liderança japonesa, no verão de 1945, estava profundamente dividida sobre como encerrar a guerra. Enquanto alguns membros do governo e do alto-comando militar reconheciam a inevitabilidade da derrota, outros insistiam em continuar a resistência, mesmo diante de circunstâncias cada vez mais desesperadoras. Essa divisão refletia não apenas diferenças estratégicas, mas também questões culturais e ideológicas profundamente enraizadas na sociedade japonesa.
No início de agosto de 1945, o Conselho de Guerra japonês, composto por seis membros-chave, estava profundamente dividido. De um lado, estavam o Primeiro-Ministro Kantaro Suzuki e o Ministro das Relações Exteriores Shigenori Togo, que buscavam uma forma de negociar a paz. Do outro lado, estavam o Ministro da Guerra Korechika Anami e os chefes do Exército e da Marinha, que insistiam em continuar a luta.
A destruição de Hiroshima em 6 de agosto abalou profundamente o governo japonês, mas não foi suficiente para superar a resistência dos líderes militares. Alguns deles duvidavam que os Estados Unidos possuíssem mais de uma bomba atômica e acreditavam que o país poderia suportar ataques adicionais. Outros argumentavam que a rendição incondicional levaria à destruição do sistema imperial e da cultura japonesa, algo que consideravam inaceitável.
A destruição de Nagasaki em 9 de agosto, combinada com a declaração de guerra da União Soviética no mesmo dia, mudou drasticamente o cenário. A invasão soviética da Manchúria eliminou qualquer esperança de mediação por parte da URSS, algo que alguns líderes japoneses ainda consideravam possível. A entrada da União Soviética na guerra também aumentou o temor de uma ocupação comunista do Japão, o que era visto como uma ameaça existencial ao sistema imperial.
Diante desses eventos, o Imperador Hirohito, que até então havia adotado uma postura mais passiva, decidiu intervir diretamente. Em uma reunião histórica do Conselho de Guerra em 10 de agosto, Hirohito declarou que a continuação da guerra só traria mais sofrimento ao povo japonês e que era hora de "suportar o insuportável" e aceitar a rendição. Sua decisão foi influenciada não apenas pelas bombas atômicas, mas também pelo temor de que a resistência contínua levaria à destruição completa do Japão.
Mesmo após a decisão do Imperador, houve uma tentativa de golpe por parte de militares que se opunham à rendição. Na noite de 14 de agosto, um grupo de oficiais liderados pelo Major Kenji Hatanaka tentou tomar o Palácio Imperial e destruir a gravação do discurso de rendição de Hirohito. O golpe falhou, e na manhã de 15 de agosto, o Imperador anunciou a rendição do Japão em uma transmissão de rádio sem precedentes, conhecida como o "Jewel Voice Broadcast".
A rendição formal ocorreu em 2 de setembro de 1945, a bordo do USS Missouri, marcando o fim oficial da Segunda Guerra Mundial. A decisão de Hirohito de se render foi um momento decisivo na história do Japão, encerrando anos de conflito e abrindo caminho para a reconstrução do país sob ocupação aliada.
Após a rendição do Japão em 1945, os Aliados impuseram três condições principais: ocupação do país, desmilitarização e remoção do imperador Hirohito. O governo japonês, no entanto, insistiu na preservação da monarquia, temendo que sua remoção levasse ao caos interno. O general Douglas MacArthur, comandante das forças de ocupação, também considerava que a manutenção do imperador poderia garantir estabilidade, evitando que o Japão seguisse o caminho da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, quando a queda do kaiser e a criação da República de Weimar contribuíram para o surgimento do nazismo. Assim, os EUA aceitaram manter Hirohito, desde que ele renunciasse ao seu status divino e assumisse um papel apenas cerimonial na Constituição de 1947.
O uso de armas nucleares contra populações civis levantou questões éticas e morais na época, o que suscitou ideias alternativas, como explodir uma bomba em área desabitada. No entanto, os líderes americanos da época acreditavam que uma demonstração não teria o mesmo impacto psicológico e militar que o uso real das armas. Além disso, havia a preocupação de que uma bomba falhasse durante uma demonstração, o que poderia encorajar o Japão a continuar resistindo. A decisão de usar as bombas foi, portanto, baseada em uma combinação de considerações práticas e estratégicas, embora isso não diminua a gravidade das consequências humanitárias.
Por outro lado, as bombas também serviram como um alerta para os perigos da guerra nuclear. O sofrimento das vítimas de Hiroshima e Nagasaki, conhecidas como "hibakusha", tornou-se um símbolo dos horrores da guerra e da necessidade de buscar a paz. As cidades reconstruídas hoje abrigam memoriais e museus dedicados à promoção do desarmamento nuclear e à educação sobre os efeitos devastadores das armas atômicas.
Assim, entendemos que toda história tem no mínimo dois lados, mas a verdade sempre paira sobre os fatos, resultando que simplificações morais ou exaltações ufanistas criam narrativas que somente interessam àqueles que desejam ter o controle da História.
“E se todos os outros aceitassem a mentira imposta pelo Partido – se todos os registros contassem a mesma história –, a mentira tornava-se história e virava verdade. ‘Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado’, rezava o lema do Partido. (…) O passado, refletiu ele, não fora simplesmente alterado; na verdade fora destruído. Pois como fazer para verificar o mais óbvio dos fatos, quando o único registro de sua veracidade estava em sua memória?” (Winston, personagem do livro “1984”).
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 52 edição de Março de 2025 – ISSN 2764-3867
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