Conservadores e revolucionários
- Mauricio Motta
- 4 de jun.
- 5 min de leitura
Há um meme entre nós?
Por que rimos enquanto o debate definha?

Já perdi as contas de quantos memes, vídeos engraçados e slogans criativos pude ver nos últimos anos. A maioria cumpre com humor e graça a tarefa de transmitir uma ideia ou repercutir um fato. Algo me chama a atenção, e não é de hoje! Tudo é sempre muito superficial, resvalando nos aspectos mais evidentes, mas sem agregar conhecimento real sobre o que está ocorrendo diante dos olhos dos espectadores.
O cenário é comum nas mídias sociais que acompanho, mas parece ser uma tendência mundial. Já ouvi estrangeiros elogiando a capacidade infinita do brasileiro de criar memes sobre quase todo tipo de situação e, como a política é o tema em destaque nos últimos quinze anos, os memes políticos são os que mais vejo.
Para além dos memes, os slogans, palavras de ordem e aforismos, são recorrentes nas redes sociais. A grande questão que observo é que os memes que, em tese, serviriam para abrir os olhos ou despertar consciências pela via do humor, apenas separam ainda mais os grupos divergentes. Não sou contra o humor, longe disso. Cresci assistindo a programas hilários e com alto teor de crítica política, conduzidos por Chico Anísio, Jô Soares ou Agildo Ribeiro (os dois últimos tendentes à esquerda), entre outros, mas a diferença de nível entre as épocas é... deprimente.
Se o humor já foi ferramenta para iluminar contradições, hoje parece servir mais como cortina de fumaça. O embate entre conservadores e revolucionários parece, por sua própria natureza, insolúvel, pois se baseia no confronto de visões de mundo diametralmente opostas. Já tratamos da questão do apego a ideologias da juventude em outro texto da Revista Conhecimento e Cidadania: “Testemunhas atávicas da História”. Resolvemos aprofundar o tema, trazendo novas reflexões.
A imagem que ilustra esta reflexão não é um meme, mas se compartilhada isoladamente vai produzir pouco ou nenhum efeito. Será como um alimento vazio de nutrientes, mas bem saboroso. Produzirá efeito momentâneo e não agregará vitalidade ao corpo. Assim é o embate nas redes, muitas vezes circunscrito a bolhas sociais: estéril, vazio, inútil, mas engraçado.
Por trás dessa efemeridade, há uma força mais profunda — e menos visível — movendo os antagonismos: Cada lado se firma em convicções tão arraigadas que os argumentos se tornam irrelevantes: para quem tem fé numa visão de mundo, nenhuma explicação é necessária; para quem não tem, nenhuma explicação é possível. Essa adaptação, inspirada na máxima atribuída a Tomás de Aquino, pode traduzir o que vemos nas arenas ideológicas contemporâneas.
Conservadores e revolucionários falam, mas raramente se escutam. Dialogam para seus próprios públicos, não para os adversários. Assim, o consenso, se vier, será obra da vida — não do debate.
Dentro desse cenário, o conservadorismo guarda, em si, um valor precioso: é o depósito da experiência histórica, da sabedoria adquirida pelo longo processo de tentativas, erros, acertos e sofrimentos. Mas esse compêndio de experiências requer muito mais que um meme engraçado para ser apreendido.
No entanto, alguns conservadores contemporâneos caíram na armadilha da superficialidade. Limitam-se a repetir: "As coisas são como são", "sempre foi assim", "Para que mudar se sempre funcionou?". Realmente falam a verdade, mas com a profundidade de um pires. Essa pobreza de argumentação é uma avenida aberta para os revolucionários, que, articulados, denunciam essa falta de consciência e apresentam-se como heróis da razão e da justiça.
O paradoxo, porém, não é exclusivo de um lado. Por trás da firmeza de cada lado, tanto conservadores quanto revolucionários guardam uma semelhança basilar: podem encontrar-se fundamentados em algo oculto — o medo. Medo da escassez, da dor, do sofrimento, da solidão, da morte. Uma das emoções mais primitivas e que segue acompanhando o ser humano em sua trajetória.
Esses medos, que fazem parte da experiência humana na Terra, podem dirigir silenciosamente as ações tanto dos conservadores quanto dos revolucionários. Há revolucionários que acreditam que serão beneficiados por sua visão de mundo quando ela se tornar realidade; outros já estão sendo beneficiados agora e lutam para não perderem seus privilégios, mesmo à custa do sofrimento alheio; outros, ainda, são ingênuos, pois lhes falta o conjunto de experiências e conhecimentos que proporcionam uma visão ampla e clara da realidade como ela é.
Se o medo pode ser o combustível, o labirinto pode ser a metáfora. Ao longo da vida, somos confrontados com nossos medos de forma filtrada, gradual, para que possamos evoluir sem sermos destruídos. Mas para os recalcitrantes, para aqueles que se recusam a aprender pelas vias suaves, restam os confrontos sem anestesia: vivem o drama em sua forma mais crua, sem adornos. Mas até para concordar com essa possibilidade explicativa, é necessário crer que há um certo direcionamento por parte de uma força oculta que nos rege.
Essa jornada de redenção é individual e coletiva, lenta e dolorosa, e não oferece garantias de sucesso. Alguns, mesmo após todas as advertências, perdem-se por tempo demais. O Gênesis captura essa dinâmica de maneira simbólica e profunda:
"De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás." (Gênesis 2:16-17)
A advertência nasce da sabedoria do Criador, que conhece todas as dores e perdas que podem advir da experiência humana. Enquanto para alguns a palavra é suficiente; para outros, a experimentação pessoal é a única via possível — ainda que lhes custe a vida.
Assim desenrola-se o fio do destino humano, que tem como guia a sabedoria divina, representada materialmente pelas Sagradas Escrituras. Assim como o novelo de Ariadne entregue a Teseu: o fio está lá, conduzirá à saída, mas exige que cada centímetro do labirinto seja percorrido, com coragem, dor e incerteza.
Cada volta do caminho é uma lição; cada retrocesso, um convite à humildade. O preço da desobediência, da soberba e da ignorância é o próprio labirinto — e, às vezes, a perdição definitiva.
G.K. Chesterton, ao refletir sobre a tradição, afirmou que "a tradição é a democracia dos mortos", a voz daqueles que vieram antes de nós, provando com suas vidas aquilo que hoje herdamos como sabedoria.
Esquecer ou desprezar essa voz é um ato de arrogância juvenil — é arrancar a escada depois de subir.
E assim, conservadores e revolucionários continuam a se enfrentar.
O conservador que se limita a dizer "é assim porque sempre foi" cede terreno ao revolucionário que, embora muitas vezes ingênuo ou mal-intencionado, apresenta-se armado de perguntas legítimas e coragem de mudar.
Mas se a revolução triunfar sem consciência das razões que sustentavam a ordem antiga, logo se aprenderá — pelo sofrimento — que aquilo que foi desprezado na teoria, faltará como substância da prática.
O drama das redes, portanto, não se limita apenas ao campo dos embates político-ideológicos: é existencial. Mais do que uma batalha de memes, ou do enfrentamento de candidatos e seus eleitores, temos um enfrentamento de visões de mundo.
Cada geração é chamada a reconectar-se ao fio de Ariadne da tradição, mais que religiosa, metafísica, e atravessar o labirinto de seus próprios medos e escolher: aprender pela razão ou pela experimentação, pela escuta ou pela queda.
E enquanto uns despertam ao suave tilintar de um alfinete, outros precisarão da explosão de uma bomba para quem sabe, enfim, abrir os olhos.
Enquanto esse drama se descortina no dia a dia — com a queda da moralidade, o aumento das corrupções, a explosão da sensualidade, a lenta erosão da família —, vamos rindo de mais um meme. Do outro lado, nossos companheiros usam ardis retóricos, nossas próprias contradições e hipocrisias para o contra-ataque. Batalha inútil.
Mas eis a questão final: quanto do labirinto ainda precisaremos percorrer até reconhecermos que o fio de Ariadne já está em nossas mãos?
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 54 edição de Maio de 2025 – ISSN 2764-3867
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