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Muito mais que um movimento, um destino

Muito mais que um movimento, um destino

No século XX, o Brasil se tornou um campo de batalha ideológico em ebulição. Anarquistas, socialistas, integralistas, populistas e militares travaram uma disputa pela alma política do país, em um ciclo que alternava autoritarismo, rebeldia e tentações democráticas. Cada uma dessas forças trouxe sua própria interpretação sobre o que seria a justiça social, o desenvolvimento nacional e o lugar do indivíduo diante do Estado.

Agora, no século XXI, emerge uma vertente ainda pouco compreendida, mas já protagonista em diversas pautas: o liberalismo conservador, que propõe uma combinação inédita entre economia de mercado, liberdades individuais e preservação de valores tradicionais.

Como todas essas forças se digladiaram até que emergisse um novo movimento? Teria sido a exaustão das forças ideológicas ou da paciência da população que levou ao surgimento de um movimento inédito no cenário nacional? Quem sabe, um misto da falência das ideologias com o fim da capacidade de esperar por um futuro que jamais chegou?

Segundo o título de um dos livros do escritor austríaco-judeu radicado no Brasil, Stefan Zweig — Brasil, um país do futuro, lançado em 1941 —, e com base em sua visão sobre a cultura, o povo, a natureza e os recursos do país, o Brasil representaria a melhor imagem de uma nação bem-sucedida. Mas, ao que parece, muitas coisas não seguiram seu curso natural, e o futuro não sorriu como se previa.

Uma das primeiras ideologias a desembarcarem em nosso país foi o anarquismo. No final do século XIX, as primeiras greves operárias no Brasil foram lideradas por imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, que trouxeram na bagagem as ideias libertárias de Bakunin e Kropotkin. O anarquismo brasileiro nasceu dentro dos sindicatos, pregando a destruição do Estado e sua substituição por uma organização horizontal de coletivos livres, baseados em acordos voluntários e autogestão.

Posteriormente, chegou o socialismo, que desde cedo assumiu um caráter mais institucional. A fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1922, com forte influência da Revolução Russa, foi um marco. Ao contrário dos anarquistas, os comunistas acreditavam em uma transição através da luta de classes e da implantação de um Estado socialista, centralizador e dirigido pela vanguarda do proletariado.

Diante desse avanço das ideologias revolucionárias, em 1932 surge a Ação Integralista Brasileira (AIB). Sob a liderança de Plínio Salgado, o integralismo apresentava-se como uma alternativa “nacionalista, espiritual e moral” aos “perigos estrangeiros” do comunismo e do liberalismo clássico.

Fortemente inspirado no fascismo italiano, o integralismo propunha um Estado autoritário, hierárquico e corporativista, capaz de eliminar os conflitos sociais pela harmonização forçada entre classes. Com saudações reminiscentes do fascismo europeu e o lema “Deus, Pátria e Família”, os integralistas rapidamente se tornaram uma das forças organizadas mais expressivas dos anos 1930.

No jogo de xadrez das forças políticas, Getúlio Vargas soube neutralizar os extremos e construir seu próprio regime. Após o golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo, Vargas fechou o Congresso, dissolveu os partidos (incluindo o Integralista e o Comunista) e implementou um governo centralizador, amparado por uma sofisticada propaganda de culto à personalidade, num autêntico fascismo à brasileira.

Embora adotasse o discurso da justiça social, o varguismo manteve a economia sob forte controle estatal, estruturou o sindicalismo em moldes corporativistas e promoveu um nacionalismo cultural que buscava reforçar a identidade brasileira sob a égide do Estado.

Quando Getúlio Vargas morreu, em agosto de 1954, o cenário político brasileiro já era bem diferente do que se via nos anos 1930.

Anarquistas, integralistas, comunistas foram forças que, de fato, disputaram espaço no Brasil especialmente durante a década de 1930 — período de grande polarização ideológica, instabilidade política e influência das correntes internacionais. Só que, ao longo do Estado Novo, Vargas perseguiu praticamente todos esses grupos, enfraquecendo-os bastante.

Quando Getúlio voltou ao poder em 1951, num contexto democrático, o quadro era outro: os anarquistas já tinham pouca influência, principalmente restrita a sindicatos pequenos, sem força política ampla; os integralistas haviam sido praticamente desmobilizados desde 1938, após o fracasso do levante integralista contra Vargas; quanto aos comunistas, eram os que ainda mantinham alguma organização, mas o Partido Comunista do Brasil (PCB) estava ilegal desde 1947, atuando na clandestinidade.

A morte de Vargas não abriu espaço para aqueles grupos históricos, o que ela fez foi aprofundar a disputa entre forças nacionalistas e liberais-conservadoras, civis e militares, que já estavam se acirrando no início dos anos 1950. Essa polarização acabaria desembocando na contrarrevolução de 1964.

O movimento de 1964 marcou o retorno de um governo centralizador e anticomunista, mas também estatizante. O regime militar consolidou um modelo de desenvolvimentismo controlado, criando estatais e dirigindo grandes projetos de infraestrutura, como a Transamazônica e Itaipu. A economia foi regulada pelo Estado, que intervinha sempre que julgasse necessário.

Apesar de seu discurso conservador nos costumes e sua firme oposição ao comunismo, o regime militar não se aproximava do liberalismo econômico clássico, muito menos da defesa ampla das liberdades individuais.

Com o fim do período dos governos militares em 1985, o Brasil esteve “ocupado” demais buscando equilibrar sua economia, criar um caminho de consenso político entre antigas e novas forças políticas e reconstruir sua autoimagem enquanto nação.

Somente no final da década de 2010, após a crise política que abalou o governo Dilma Rousseff, é que o Brasil começa a presenciar o surgimento de um movimento até então raro: uma direita de viés liberal-conservador, com forte apelo popular e influência digital.

Este novo segmento surge defendendo o liberalismo representado pelo livre mercado e o empreendedorismo, a redução da carga tributária e do tamanho do Estado, a defesa das liberdades individuais e de expressão e o combate à corrupção. Dando suporte moral a todas estas pautas seguem a preservação da família e dos valores tradicionais. Todas essas pautas defendidas por grupos diferentes e esparsos, confrontados com o já conhecido comunismo e acompanhado pelo progressismo. A percepção era como a de acordar de um sono longo e profundo em meio a um cenário confuso e conflituoso.

Além de sua agenda, o liberalismo conservador brasileiro difere de seus antecessores pelo método: não possui um partido-Estado, não propõe liderança centralizada, nem culto personalista, mas se ancora fortemente na defesa da liberdade de expressão e descentralização proporcionada pelas redes sociais.

Ainda que os opositores do liberalismo conservador brasileiro identifiquem um partido como o PL — Partido Liberal — como o centralizador dos políticos de direita; a figura de Jair Bolsonaro como o catalizador do movimento, em razão de um suposto culto à sua personalidade; e mesmo a existência de um lema muitas vezes repetido por Bolsonaro que é “Deus, pátria, família e liberdade”, que remeteria ao integralismo; há questões a serem esclarecidas: a órbita dos políticos de direita em torno do PL é circunstancial, em razão de não existir um legítimo partido que honre os ideais do liberalismo conservador (como teria sido o Aliança pelo Brasil). Bolsonaro não é a imagem ou o ícone do movimento liberal conservador, no máximo seu representante mais popular na atualidade, ou seja, o movimento é maior que seus representantes. Quanto ao lema, este é estruturalmente parecido, mas nunca igual, pois é encerrado pela palavra liberdade, que muito mais que uma simples palavra, opõe diametralmente o liberalismo conservador do ideário autoritário do integralismo.

Apesar de seus adversários tentarem rotulá-lo de “extrema-direita”, trata-se de um fenômeno distinto das experiências autoritárias do passado: não busca o controle estatal sobre a sociedade, mas a contenção do Estado e o fortalecimento do indivíduo. É um movimento orgânico e que não pode ser identificado em partidos ou ícones, não exalta o Estado sobre o indivíduo, não cerceia, mas antes liberta o cidadão do jugo autoritário das políticas estatais ou de qualquer aventureiro totalitarista.

Depois de um século marcado por conflitos entre coletivismos de viés autoritário, o Brasil assiste ao amadurecimento de uma vertente liberal-conservadora que, pela primeira vez, une mercado, liberdade individual e tradição cultural. Um capítulo inédito na história política nacional e, possivelmente, o mais relevante para as próximas décadas.

O futuro é hoje. O futuro é inédito. O futuro tem um nome, e este é liberdade!


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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 53 edição de Abril de 2025 – ISSN 2764-3867



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