The cat in the hat - Uma releitura sob a lente Red Pill
- Mauricio Motta
- 5 de ago.
- 5 min de leitura

Aviso: este artigo contém spoiler, mas em quantidades pedagógicas.
Como uma história infantil pode esconder, sob rimas e traços simples, lições profundas sobre moral, ordem e a ameaças sutis.
Publicado em 1957, The Cat in the Hat, de Dr. Seuss, é um dos livros infantis mais emblemáticos da literatura americana do século XX. A narrativa se desenvolve quando duas crianças — Sally e seu irmão Conrad — são deixados sozinhos em casa num dia chuvoso. O tédio e o silêncio da disciplina são quebrados com a chegada de um visitante inusitado: um Gato falante, de cartola listrada, que promete diversão.
A partir do livro infantil de 1957 foi feita uma adaptação para TV em 1971 e posteriormente um filme em 2003. Está previsto para 2026 o lançamento de mais uma versão em filme, produzido pela Warner Bros.
Mas nosso objetivo é entender a história original sob as lentes "red pill" e buscar o signo entre significados e significantes.
Pois vamos aos elementos centrais do livro.
O Gato surge sem convite e, em nome do entretenimento, desorganiza o lar. Ele traz consigo duas criaturas vestidas de vermelho — Thing 1 e Thing 2 — que causam verdadeiro caos. A única voz sensata é a do peixe, que os alerta o tempo todo: "Isso não está certo". Antes que a mãe retorne, o Gato limpa toda a bagunça, restaurando a aparência de ordem.
Uma fábula sobre infância? Certamente. Mas também — como tantas outras obras literárias — um espelho das tensões ideológicas de seu tempo e do nosso.
Theodor Seuss Geisel, mais conhecido como Dr. Seuss, foi um escritor e cartunista americano cujas obras infantis encantaram gerações. Atuou como ilustrador político durante a Segunda Guerra Mundial, posicionando-se contra o nazismo, o fascismo e, mais tarde, contra o autoritarismo comunista. Obras como The Lorax e Yertle the Turtle contêm mensagens sociais e políticas codificadas sob a forma de alegorias infantis.
Ainda que The Cat in the Hat tenha sido criado como uma resposta pedagógica para estimular a alfabetização infantil, é impossível ignorar as camadas simbólicas que suas páginas sugerem — especialmente quando observadas sob uma lente conservadora, crítica ao avanço das ideologias disfarçadas de cultura.
Assim como A Revolução dos Bichos (George Orwell), 1984 ou Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), The Cat in the Hat pode ser lido como uma metáfora sobre o conflito entre valores tradicionais e ideologias subversivas. Não estamos diante de uma análise forçada, mas de um recurso interpretativo consagrado: usar personagens e símbolos para retratar modelos de sociedade, crítica política e crises morais. Vamos aos paralelos.
A casa onde as crianças vivem representa o espaço do capitalismo ordenado, onde a disciplina, a propriedade privada e os valores familiares sustentam a estrutura. Mesmo sem a presença da mãe — símbolo da autoridade — as crianças mantêm-se obedientes. Existe uma noção clara de certo e errado, de regras e limites. Trata-se de uma alegoria da sociedade conservadora, que preserva a liberdade dentro de um marco moral e ético.
O Gato, com seu sorriso largo e comportamento brincalhão, entra sem permissão e toma o controle do ambiente. Sua proposta de “diversão” parece inofensiva, mas é instrumento de desestruturação.
Ele representa, sob esse ponto de vista, o marxismo cultural: uma ideologia que, inspirada por pensadores como Antonio Gramsci, busca influenciar a sociedade não pela força, mas pela cultura, relativizando valores tradicionais através do entretenimento e da educação. Ele reconfigura o mundo em nome da novidade, relativiza a autoridade, desafia as normas — e tudo isso com aparência carismática e colorida. Suas ações, como equilibrar objetos e liberar Thing 1 e Thing 2, desrespeitam a ordem da casa, seduzindo as crianças com a promessa de liberdade sem limites.
As “coisas” que o Gato libera são criaturas sem identidade própria, vestidas de vermelho e numeradas. São símbolos que sugerem a coletivização: não são indivíduos, são engrenagens numeradas do caos, obedecendo apenas ao comando da figura ideológica superior (o Gato).
Suas roupas vermelhas não são acaso: remetem ao comunismo, à revolução e à ruptura da identidade pessoal em favor de um projeto ideológico. São o eco das massas manipuladas, desprovidas de consciência, que servem à causa maior sem perceberem as consequências.
O próprio gato, ostentando sua cartola listrada, poderia estar fazendo referência à conhecida imagem do "Tio Sam"? Coincidência? Popularizada a partir da Primeira Guerra Mundial, a imagem do homem de cartola chamando os jovens americanos à defesa da liberdade é emblemática da defesa de valores muito caros aos Estados Unidos. É estratégia comum em movimentos revolucionários, a apropriação de elementos históricos e culturais ressignificando-os, e não poderia ser deixada fora de The Cat in the Hat. O animal ardiloso sob a imagem simbólica do Tio Sam, uma combinação estratégica.
O peixe é a única voz moral da narrativa. Pequeno, frágil e impotente, insiste em alertar: "Isso está errado." Sua presença é uma clara alegoria ao papel da tradição cristã na sociedade ocidental.
Desde os primeiros séculos, o peixe (ΙΧΘΥΣ) foi símbolo secreto dos cristãos perseguidos. Neste conto moderno, continua sendo a voz que não se cala, mesmo quando ignorada — o farol moral que aponta para a verdade, mesmo em meio ao caos. Suas repetidas advertências, como “Vocês não deveriam estar fazendo isso!”, tentam preservar a ordem da casa contra a influência desestabilizadora do Gato.
É o cristianismo como estrutura espiritual e ética que sustenta a ordem, e que é frequentemente ridicularizado ou ignorado pelas ideologias que pregam o hedonismo ou o igualitarismo forçado.
Ao final, o Gato retorna e limpa toda a bagunça, restaurando a casa como se nada tivesse acontecido. Essa ação pode ser lida como uma metáfora da manipulação ideológica revisionista: causar o problema, apagar os rastros e posar como o salvador da situação. Ao restaurar a ordem, o Gato não apenas apaga o caos, mas se coloca como o novo protagonista, assumindo o controle da narrativa e eclipsando a autoridade tradicional da mãe e do peixe. Essa subversão do protagonismo reflete como ideologias podem usar crises para se legitimar, apresentando-se como indispensáveis à ordem que elas mesmas desafiaram.
Essa é uma estratégia conhecida dos movimentos revolucionários: usar o caos como pretexto para impor uma nova ordem, alegando que resolveram um problema que eles próprios criaram.
Ao contrário do discurso que rotula o conservadorismo como retrógrado, esta leitura revela sua natureza real: preservar o que é bom, funcional e moralmente sustentável. O capitalismo, ainda que imperfeito, gerou e gera prosperidade, liberdade e inovação — justamente porque se assentou sobre valores morais herdados do cristianismo e da tradição ocidental.
O marxismo cultural, por outro lado, infiltra-se pela cultura, relativiza os valores e destrói as bases — oferecendo em troca promessas utópicas que nunca se cumprem.
É fundamental esclarecer que Dr. Seuss não declarou ter escrito The Cat in the Hat com intenções políticas conscientes. A obra foi concebida como instrumento de alfabetização lúdica. No entanto, a leitura simbólica de narrativas é um recurso legítimo e amplamente utilizado nos estudos literários, culturais e ideológicos.
Assim como Orwell, Huxley e tantos outros autores foram reinterpretados ao longo das décadas, Dr. Seuss também pode ser lido sob a luz das grandes disputas morais e culturais do nosso tempo. E ao fazê-lo, revelamos como até mesmo um livro para crianças pode se tornar um espelho da alma de uma civilização em luta por sua identidade.
2026 está logo ali. Quando finalmente o filme estrear nas telas dos cinemas brasileiros, compre sua pipoca e divirta-se em família. Só não podemos garantir que seus olhos verão o filme da mesma forma que outras centenas de milhares de espectadores. Boa "diversão"!
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 56 edição de Julho de 2025 – ISSN 2764-3867
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