Liberdade Objetiva e Subjetiva
- Juliette Oliveira
- 24 de out.
- 4 min de leitura
O Encontro entre o Eu, o Nós e o Tu Divino

A liberdade é um dos conceitos centrais da filosofia e da teologia cristã. Desde a Antiguidade, pensadores buscaram compreender sua natureza, seus limites e sua realização. No horizonte filosófico, ela pode ser entendida em duas dimensões: a subjetiva, ligada à experiência interior do indivíduo, e a objetiva, relacionada às condições sociais, políticas e históricas que tornam a ação possível.
Essas dimensões se articulam com as esferas do eu (a interioridade e a consciência pessoal) e do nós (a coletividade, as instituições e a vida em comum). No entanto, a tradição cristã acrescenta uma terceira dimensão: o Tu divino, isto é, a relação com Deus, fonte última da liberdade. Como afirma o Concílio Vaticano II: “A verdadeira liberdade é sinal eminente da imagem divina no homem. Deus quis deixar o homem entregue à sua própria decisão, para que assim busque espontaneamente o seu Criador e, aderindo livremente a Ele, chegue à plena e feliz perfeição” (Gaudium et Spes, n. 17).
Liberdade Subjetiva: A Esfera do Eu
A liberdade subjetiva é a experiência íntima de autonomia, de sentir-se capaz de escolher e agir. Uma jovem que decide estudar artes em vez de seguir a carreira que sua família esperava; alguém que escolhe não usar redes sociais para preservar sua paz interior, uma pessoa que decide perdoar uma ofensa grave, não por imposição, mas por convicção espiritual são manifestações da liberdade subjetiva, no último caso em sua forma mais elevada.
Na filosofia, Jean-Paul Sartre afirma que o ser humano está “condenado à liberdade”, pois não pode escapar da responsabilidade de escolher (O Ser e o Nada). Immanuel Kant sustenta que a liberdade é a capacidade de agir segundo a razão prática, obedecendo às leis que o próprio sujeito reconhece como universais (Fundamentação da Metafísica dos Costumes).
Na teologia, Santo Agostinho ensina que a verdadeira liberdade consiste em “não poder pecar”, isto é, em orientar a vontade para o bem. São Paulo declara: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1), indicando que a liberdade subjetiva encontra sua plenitude quando orientada para o amor. Aqui, a liberdade subjetiva é um exercício de autodeterminação espiritual: o eu se reconhece como criatura livre, chamada a cooperar com a graça.
Liberdade Objetiva: A Esfera do Nós
A liberdade objetiva refere-se às condições externas que tornam a liberdade possível ou a restringem: um cidadão que deseja expressar suas opiniões políticas, mas vive em um país onde há censura; um trabalhador que sonha em empreender, mas não tem oportunidade devido às altas tributações do seu país. Uma comunidade que garante a seus membros o direito de professar a fé sem perseguição assegura a liberdade objetiva; uma paróquia que promove a inclusão cria condições para que cada pessoa viva sua vocação cristã.
Na filosofia, Hegel afirma que a liberdade só se concretiza plenamente no “espírito objetivo”, isto é, nas instituições, nas leis e na vida ética compartilhada (Princípios da Filosofia do Direito).
Na teologia, Tomás de Aquino ensina que a lei justa é aquela que ordena a vida comum ao bem comum, criando condições para que cada pessoa realize sua finalidade última (Suma Teológica, I-II, q. 90). O Concílio Vaticano II reforça: “A dignidade humana exige que o homem atue segundo a sua consciência e por livre adesão, não coagido por força externa” (Dignitatis Humanae, n. 2). Aqui, a liberdade é uma conquista coletiva: o nós cria as condições para que cada eu possa florescer.
A literatura e o cinema também revelam a tensão entre liberdade subjetiva e objetiva.
Na literatura: em 1984, de George Orwell, a liberdade objetiva é esmagada por um regime totalitário. O protagonista, Winston, ainda preserva uma centelha de liberdade subjetiva ao manter pensamentos íntimos, mas sem o respaldo de uma comunidade justa, sua resistência é sufocada.
No cinema: em A Vida é Bela, de Roberto Benigni, Guido, mesmo aprisionado em um campo de concentração, preserva sua liberdade subjetiva ao transformar o horror em esperança para o filho. Esse gesto ecoa a liberdade cristã, que não depende apenas das circunstâncias externas, mas da fidelidade interior ao amor.
Essas obras mostram que a liberdade não é apenas um conceito abstrato, mas uma experiência vivida, marcada pela tensão entre o íntimo e o social, entre o eu e o nós, e, no horizonte da fé, entre a criatura e o Criador.
A Articulação entre Eu, Nós e Deus
A liberdade subjetiva e a objetiva não são opostas, mas complementares:
O eu precisa do nós para que sua autonomia não seja apenas um sentimento, mas uma realidade concreta.
O nós precisa do eu para não se tornar uma massa homogênea, mas uma comunidade de sujeitos singulares.
Ambos, eu e nós, encontram sua plenitude quando abertos ao Tu divino, pois é em Deus que a liberdade se torna vocação ao amor e à eternidade.
Como afirma São João Paulo II: “A liberdade não consiste em fazer tudo o que se quer, mas em ter o direito de fazer o que se deve” (Veritatis Splendor, n. 35).
A liberdade é, ao mesmo tempo, interior e exterior, individual e coletiva, mas também humana e divina.
No eu, ela é consciência, escolha e responsabilidade.
No nós, ela é direito, reconhecimento e vida em comum.
No Tu divino, ela é plenitude, pois só em Deus a liberdade se torna eterna e verdadeira.
Assim, a liberdade não é apenas um direito ou um sentimento, mas uma vocação: viver como filhos e filhas de Deus, em comunhão com os outros, construindo uma sociedade justa e aberta ao amor.
Em outras palavras: a liberdade é o diálogo constante entre o eu que deseja, o nós que possibilita e o Deus que chama.
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 58 edição de Setembro de 2025 – ISSN 2764-3867





















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