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Quando os senadores se rebelam…


Quando os senadores se rebelam…

O assassinato de Júlio César, uma das figuras mais proeminentes da Roma Antiga, ocorreu em 15 de março de 44 a.C., nos famosos “Idos de Março”. Esse evento não apenas marcou o fim de um dos mais poderosos líderes da história, mas também desencadeou uma série de acontecimentos que levariam à queda da República Romana e ao surgimento do Império Romano. Após conquistar grande prestígio militar e popularidade, Júlio César assumiu o controle quase total de Roma, primeiro como ditador temporário e depois como ditador vitalício. Sua ascensão ao poder ocorreu em meio a intensas lutas políticas, durante um período em que a República Romana estava mergulhada em crises internas. César era visto por muitos como um salvador, mas para a elite senatorial, ele representava uma ameaça ao sistema republicano.

O Senado Romano, na época de Júlio César, era composto por cerca de 900 membros, um número que ele mesmo havia aumentado após suas reformas. Esse aumento visava ampliar sua base de apoio, trazendo novos membros leais a ele, mas também diluindo o poder da velha aristocracia senatorial.

Os senadores temiam que César estivesse se tornando um monarca de fato, o que era intolerável para aqueles que valorizavam a tradição estabelecida em Roma. A conspiração foi arquitetada por cerca de 60 senadores romanos que temiam a crescente concentração de poder em suas mãos e o que isso representava para a sobrevivência da República Romana. Os conspiradores eram conhecidos coletivamente como "Liberatores" e eram uma minoria dentro do Senado, mas incluíam alguns dos mais influentes e respeitados membros da classe senatorial. Eles se viam como defensores das tradições republicanas e acreditavam que o assassinato de César era necessário para preservar a República e evitar a tirania. A maioria dos senadores não estava envolvida na conspiração e muitos provavelmente apoiavam César, seja por convicção, interesse pessoal, ou simplesmente por medo de suas represálias.

Entre os conspiradores, destacavam-se nomes como Lúcio Tílio Cimbro, Públio Servílio Casca Longo, Décimo Júnio Bruto Albino, Caio Cássio Longino e Marco Júnio Bruto, este último, ironicamente, considerado por muitos como um filho adotivo de César. Bruto era visto como um símbolo da virtude republicana, e sua participação na conspiração deu ao plano uma legitimidade que Cássio sozinho não poderia alcançar.

As motivações para o assassinato variavam entre os conspiradores. Para Cássio, era uma questão de vingança pessoal e ambição política. Ele havia se ressentido de César por anos, acreditando que o ditador estava usurpando os poderes que deveriam pertencer ao Senado. Já Bruto, apesar de seus laços com César, foi motivado por um senso de dever cívico, acreditando que o assassinato era necessário para salvar a República e restaurar a liberdade romana. Os conspiradores sabiam que eliminar César não seria tarefa fácil. Ele era cercado por guardas e apoiadores leais, e suas aparições públicas eram cuidadosamente controladas. Assim, eles escolheram os Idos de Março, um dia em que César estaria presente em uma sessão do Senado no Teatro de Pompeu, onde eles poderiam se reunir sem levantar suspeitas.

No dia fatídico, César foi avisado por vários sinais de que sua vida estava em perigo. Um vidente conhecido como Spurinna havia advertido a Júlio César que ele deveria estar atento aos Idos de Março pois correria perigo naquele dia específico. Calpúrnia, esposa de Júlio César, teve um sonho perturbador na noite anterior ao assassinato. Ela sonhou que César estava sendo esfaqueado e que sua própria imagem estava sangrando. Ela tentou alertar César sobre o sonho e pediu-lhe para não ir ao Senado naquele dia. Artemidoro, um professor de retórica, preparou uma carta alertando César sobre a conspiração, detalhando o perigo que ele corria. Ele tentou entregar a carta a César, mas o imperador não a leu imediatamente, e acabou sendo assassinado antes que pudesse vê-la.

Algumas fontes antigas como as encontradas em Suetônio e Plutarco, relatam que César teve um comportamento incomum e pareceu preocupado antes do assassinato. Ele teria tido uma sensação de inquietação e desconforto, e, mesmo assim, decidiu comparecer ao Senado, e lá chegando já encontrou os conspiradores prontos para o que ocorreria. Ele foi recebido por Lúcio Tílio Cimbro, que se aproximou para fazer um pedido em nome de seu irmão exilado. Este gesto era o sinal para o ataque. Assim que Cimbro agarrou a toga de César, Públio Servílio Casca Longo desferiu o primeiro golpe, atingindo-o no ombro. A partir desse momento, os demais conspiradores, incluindo Cássio e Bruto, atacaram César com facas. O relato do crime varia em detalhes, mas é amplamente aceito que César foi apunhalado 23 vezes. Segundo a tradição, suas últimas palavras foram dirigidas a Bruto: "Et tu, Brute?" (Até tu, Bruto?), expressando sua surpresa e dor ao ver seu protegido entre os assassinos. Outros relatos sugerem que César não disse nada, sucumbindo em silêncio ao perceber a magnitude da traição.

Após o assassinato, a falta de um apoio mais amplo dentro do Senado e entre o povo foi uma das razões pelas quais os conspiradores não conseguiram restaurar a República como planejado. Os conspiradores não esperavam que o crime permanecesse sem solução, na verdade, muitos deles estavam preparados para serem identificados como os assassinos e, desde que alcançassem o que acreditavam ser um objetivo nobre, não se importavam em serem descobertos.

Os líderes da conspiração, como Bruto e Cássio, estavam cientes de que o assassinato não seria visto apenas como um crime, mas como um ato político destinado a restaurar a liberdade e os valores republicanos de Roma. Eles esperavam que, uma vez que César fosse eliminado, o Senado e o povo romano os considerariam heróis que haviam salvado a República da tirania.

Essa visão foi reforçada pelo fato de que eles realizaram o assassinato em plena luz do dia, no Senado, um lugar público e simbólico, e na presença de outras figuras políticas proeminentes. Isso sugere que os conspiradores estavam dispostos a assumir a responsabilidade por suas ações, acreditando que, ao demonstrar coragem e determinação, eles inspirariam outros a apoiar sua causa.

O assassinato de Júlio César foi inicialmente comemorado pelos senadores que acreditavam ter salvado a República. No entanto, o ato teve consequências opostas às esperadas. Em vez de restaurar o poder do Senado, o assassinato mergulhou Roma em uma nova onda de caos e guerra civil. O povo romano, que via em César um herói, ficou indignado com seu assassinato e clamou por vingança. Marco Antônio, aliado de César e segundo em comando, inicialmente fingiu aceitar o golpe para ganhar tempo. No entanto, durante o funeral, ele inflamou a população contra os conspiradores ao ler o testamento de César, que deixou legados monetários a muitos de seus aliados e soldados. Ele designou uma grande quantia de dinheiro para ser distribuída entre os cidadãos romanos, em particular, para aqueles que eram mais pobres e para os veteranos de suas campanhas militares. Além dos legados monetários, também deixou disposições para a construção de projetos públicos e para a melhoria das condições urbanas em Roma. Essa manobra de Marco Antônio consolidou sua posição e iniciou a perseguição aos assassinos.

A morte de Júlio César precipitou a formação do Segundo Triunvirato, composto por Marco Antônio, Otaviano (futuro Augusto, sobrinho-neto e herdeiro adotivo de César) e Lépido. Juntos, eles enfrentaram os assassinos na Batalha de Filipos em 42 a.C., onde Cássio e Bruto cometeram suicídio após serem derrotados. Otaviano eventualmente consolidou o poder em suas mãos, derrotando Marco Antônio e a rainha egípcia Cleópatra VII na Batalha de Ácio em 31 a.C. Em 27 a.C., Otaviano foi nomeado Augusto, o primeiro imperador de Roma, marcando o fim da República e o início do Império Romano.

O assassinato de Júlio César é um dos eventos mais dramáticos da história romana, sendo um divisor de águas entre a República e o Império. A conspiração, motivada pelo desejo de proteger a República, ironicamente acelerou sua queda. Júlio César tornou-se um mártir e símbolo do poder absoluto, e seu legado continuou a moldar a história de Roma por séculos. O evento inspirou inúmeras obras literárias, sendo imortalizado por William Shakespeare na peça "Júlio César", onde o drama e a traição são explorados de maneira vívida, perpetuando a memória desse acontecimento tão importante na formação do imaginário político.

Uma medida extrema como aquela tomada pelos senadores romanos nos Idos de Março, quase invariavelmente resulta em dramas ainda mais complexos que aqueles que se buscava evitar. Analisar aqueles eventos sob a ótica maniqueísta de uma luta do bem contra o mal, ou mesmo sob um ponto de vista do alcance de um bem maior, como aqueles que defendem a ideia de que os fins justificam os meios, reduz à aceitação do caos como meio de se alcançar a ordem. Regimes ditatoriais não são benéficos às sociedades, por outro lado, a manutenção de elites políticas que defendem a priori o “status quo” também não agrega valor àquilo que mais importa: o cidadão.

Quando refletimos nas ações de um Senado legalmente constituído, representado por seus senadores, imbuídos de um senso de responsabilidade política, civil e social, esperamos que para além de cumprir seus deveres legais, tenham como atributos no cumprimento de seus deveres: a coragem, o senso de autossacrifício, a integridade, a competência, a empatia, a habilidade de comunicação, a responsabilidade, a visão estratégica, a resiliência, os sensos de equidade, de justiça, de ética e de moralidade. Tais atributos não parecem ter sido demonstrados nos Idos de Março pelos senadores romanos. Comparativamente, resta perguntar a nós mesmos se os senadores da República Federativa do Brasil demonstram ao menos alguns daqueles atributos.

O Senado é parte de um dos três poderes da República e um dos elementos fundamentais na defesa da Democracia, da Liberdade, da Nacionalidade e do povo a quem representa. O que cada cidadão consciente deveria desejar de seus representantes é que sua coragem jamais fosse ofuscada pelo medo da mudança, que os interesses nacionais estivessem sempre à frente como estandarte de coesão e não os seus interesses pessoais. Que as tiranias fossem combatidas com as armas da legalidade, mesmo às custas de seus próprios mandatos.

Pareceu muito sonhador este final? Muito utópico? Pareceu que estamos no mundo de Pollyanna? Pois é exatamente o que esperam que pensemos!

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto” (Rui Barbosa, senador)

Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 45



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