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Uma nação perdida

Uma nação perdida

A Torre de Babel ruiu quando os homens que conduziam sua construção se perderam em línguas diversas e não conseguiram mais se comunicar. Deus fez com que os responsáveis pela obra que pretendia afrontar o poder divino e elevar o governante daquelas terras aos céus, para que pudesse ocupar um trono mais alto que o do criador, perdessem o rumo e não mais pudessem erguê-la.

Não se trata de um caso isolado em que os homens perdem a noção de suas limitações e tentam, inutilmente, dobrar a própria realidade para que seus sonhos se realizem, mesmo quando se tratam de utopias. Os governos coletivistas da primeira metade do século XX, que acabaram por desencadear a II Guerra Mundial e a chamada Guerra Fria, prometiam sonhos irreais caso seus líderes fossem alçados a posições de líderes supremos. Buscavam o poder absoluto para promover o impossível, levando o mundo a uma guerra na qual o Eixo, prometendo uma civilização perfeita, acabou cobrindo de sangue humano grande parte do globo.

Após a II Guerra Mundial, a União Soviética, que anos antes havia exterminado muitos ucranianos em um processo, que alguns consideram desastroso e outros como intencionalmente nefasto, de morte pela fome, também conhecido como Holodomor, fato que foi encoberto pela máquina de propaganda soviética que ultrapassava as fronteiras daquela confederação. O Governo Soviético e seus apêndices, como governos socialistas do leste europeu e da Ásia, propagaram sua doentia ideologia pelo mundo através da criação e financiamento de partidos comunistas ligados diretamente ou não a Internacional Socialista, criando assim a chamada Guerra Fria.

Criaturas inescrupulosas, os socialistas difundiram suas ideias cooptando e formando intelectuais, artistas, ativistas e até sindicalistas, em que pese os dois últimos grupos serem, em regra, embrionários dos movimentos socialistas. A União Soviética exportava seus ideais doentios por meio de propaganda, patrocinando organismos ou se aliando com simpatizantes do socialismo como os chamados sociais democratas, assim, era possível envenenar o ocidente com premissas cunhadas por pensadores amantes da revolução.

As redações foram tomadas por grupos que acreditavam na utopia da coletivização de meios de produções e, tão logo percebiam se tratar de uma mentira, deixavam a crença maldita para combatê-la como alguém que outrora professara uma fé que exige sacrifícios a demônios e denuncia os erros quando, tomado por uma epifania, verifica quão maligna era a sua crença.

O político Carlos Lacerda e o pensador Olavo de Carvalho, dois nomes que o Brasil jamais pode esquecer, são exemplos de figuras que conheceram as vísceras dos movimentos socialistas e se libertaram para denunciá-lo, entretanto, ambos sofreram grande resistência, sendo que Olavo, com o advento da informação descentralizada, conseguiu romper a barreira da chamada espiral do silêncio para expor a natureza abjeta dos revolucionários. Ambos alertavam para o mal que o socialismo era, entretanto, como a Academia e as redações estavam tomadas por amantes da mentirosa ideologia, foram tratados como teóricos da conspiração enquanto os verdadeiros cientistas fixavam diplomas em suas paredes e medalhas em seus bustos por assumirem falsas premissas como sustentáculo daquilo que chamariam de ciência no final do século passado.

Ressignificavam termos para que as pessoas perdessem a noção daquilo que realmente é certo e errado, bom e mau, belo e feio, bem como, justo e injusto, moral e reprovável para que pudessem reprogramar a realidade através da distorção de conceitos antes claros, de maneira que, expressões que tinham uma interpretação nítida passaram a ser alteradas, não em sua forma, mas em seu conceito, para servirem aos interesses dos líderes revolucionários, entretanto, como se tratava de algo artificial, construído sem fundações, naturalmente, tais estratagemas não se sustentam, pois, como uma narrativa descolada da realidade apresentará inconsistência, uma estrutura que se fundamenta sobre planos desconectados tende ao desabamento quando suas bases se movem em sentidos diversos.

Imaginemos que uma grande edificação seja construída sobre ilhas flutuantes que não se conectam, sendo levadas pela maré, caso em que, a obra ruirá quando cada ilha se mover em diferentes direções, por isso, é necessário ter como base um conceito sólido, evitando que toda uma edificação desmorone. Como o socialismo, e toda ideologia revolucionária, se baseia em premissas que não contam com a verdade, mas com a fome de seus líderes pelo poder, torna-se natural que os movimentos naturais acabem derrubando suas estruturas, desmontando a farsa que, uma vez insustentável, manter-se-á somente pela força, que se traduz no apego doentio pelo poder, a corrupção e o endividamento.

O apego pelo poder fica evidente quando o indivíduo se banqueteara da estrutura totalitária de tal forma que não se vê renunciando ao conforto que lhe foi dado, bem como, pela incapacidade de enfrentar as consequências de suas ações uma vez no trono. O tirano preferirá morrer como Joseph Stalin, no poder e impune por suas ações malignas, considerando que revolucionários não creem na justiça divina, a morte é a forma de escapar do julgamento diante de suas atrocidades. Por outro lado, o destino de um déspota destituído poderá se assemelhar ao de Benito Mussolini ou Nicolae Ceausescu.

A corrupção é uma forma de manter os membros dos círculos de poder sob o controle ou, ao menos, alinhados aos revolucionários, pois um corrupto se locupleta de vantagens indevidas que os senhores do poder não deixaram de fornecer em troca de apoio ou servidão. Uma figura corrupta está disposta a precificar seus valores morais, portanto, se prostitui no sentido figurado, ao vender sua alma ao mal. Para os agentes da revolução, o corrupto é o aliado com o qual, tendo meios, sabe que poderá contar.

Os endividados são todos aqueles que, por algum motivo, se colocam na mira dos tiranos por serem chantageados em razão de alguma mácula que não pode ser exposta, aquilo que os soviéticos chamavam de “Kompromat”, uma espécie de dossiê que pode ser usada para acabar cm a reputação ou incriminar àqueles que podem ser úteis aos interesses da revolução. Evidentemente, um corrupto é um endividado em potencial, haja vista que, uma vez que aceitou vantagem indevida, restará para o corruptor a possibilidade de chantageá-lo caso tente se voltar contra a revolução, ou mesmo, elevar seu valor além daquilo que o tirano está disposto a pagar.

Outra forma de endividamento é o indireto, uma espécie de gratidão que o indivíduo tem para com o regime, pois acredita, em regra, por ter sido ludibriado, que deve algo aos ocupantes do poder. As políticas assistencialistas ou aquelas voltadas ao benefício desigual de grupos que acreditam necessitar da proteção dos poderosos são meio de fazer com que, naturalmente, os agraciados tenham se apeguem a déspotas que lhes deram supostas vantagens em troca de afeto.

Não por acaso, autoridades do espectro de esquerda costumam ameaçar os dependentes do assistencialismo ou políticas que chamam de “inclusivas”, como as cotas, caso apoiem o outro espectro, insinuando que tais regalias lhes seriam retiradas, ou seja, deixando claro que tratam-se de medidas políticas que agraciam em troca de apoio. Não há como negar que, alguém agraciado por cotas tenderá a defender tal sistema mesmo que perceba ser algo injusto, posto que, uma vez beneficiado por tal injustiça, negar-se-á a admitir que em algum momento obteve uma vantagem indevida sobre terceiro como favor político, logo, sentirá o dever de defender e promover ainda mais medidas ditas inclusivas.

O problema é que a inclusão de uns acaba por, artificialmente, excluir outros, não criando um processo naturalmente justo, mas corrompido por interesses diversos com os dos beneficiados e seus benfeitores, que estarão dispostos a cobrar pelos favores assim que possível. Portanto, quando as políticas identitárias se conflitam, aquele que está no poder não buscará resolver tal embate de forma justa, mas avaliará qual lado será o mais vantajoso politicamente. Um bom exemplo é o conflito entre as ideias feministas, que dizem colocar as mulheres como merecedoras de proteção, e os movimentos transgêneros, que impedem a definição do que é mulher para que indivíduos possam se encaixar em tal categoria com base na sua simples declaração de vontade.

Para os movimentos que defendem a existência de homens e mulheres “trans”, expressões como homem e mulher perdem o seu real significado, sendo necessário acrescentar o termo “cis”, para informar que aqueles indivíduos são, realmente, aquilo que o termo original já os definia.

Ao tentar derrubar a barreira entre o que é um homem ou uma mulher real e aquele que pretende se identificar como sendo do sexo oposto e, especialmente, impondo a terceiros que se curvem a sua visão de vida, ainda que se isso importe renunciar a verdade, inseriu-se o termo “trans” para realocar tais indivíduos, entretanto, a criação desconectada da realidade se mostra falha quando se faz necessário o uso de tal expressão, evidenciando que a figura do homem “trans”, por exemplo, não tem o mesmo significado de homem, por isso, foi necessário rebatizar o homem como homem “cis”, algo que, com as devidas vênias, mantém a diferença entre ambos.

Restou aos poderosos impor medidas coercitivas para que os indivíduos tivessem que renunciar a verdade por medo de perderem sua liberdade, ou seja, em uma ilusão que não se sustenta, impede-se que alguém aponte que “o rei está nu”, criminalizando tudo aquilo que desagrade os poderosos. Temendo a repressão estatal, mais “eficiente” que a destinada aos verdadeiros criminosos, os cidadãos precisaram aceitar a mentira como única forma de se manterem livres, como aqueles que outrora foram obrigados a renunciar sua fé, algo comum nos regimes revolucionários.

Ressignificando o vernáculo, a tirania conseguia impor-se sem que suas reais intenções fossem flagrantes, de maneira que, os inimigos da revolução deixaram de ser reacionários ou conservadores para serem rotulados de fascista, por mais que fossem contrários ao que realmente o regime fascista de Mussolini pregava. A oposição ao aborto, à eugenia, ao totalitarismo, ao estatismo e até mesmo a proibição do armamento civil tornaram-se ideias associadas ao nazi-fascismo quando é evidente que tais regimes tinham postura exatamente contrária.

Banalizando e ressignificando os termos para que servissem ao seu propósito, os líderes revolucionários passaram a chamar ditaduras, como a China, a Coreia do Norte e a extinta Alemanha Oriental de democracias ao passo que anulavam quaisquer vertentes de oposição, distorceram a ideia de soberania para que um grupo fizesse às vezes do povo ainda que contra o povo e deram a mídia, quase sempre controlado ou parceira do poder, o título de opinião pública, subtraindo, mais uma vez, uma característica que deveria ser do povo.

Nações tomadas pelo unipartidarismo que fingem que há soberania popular, parlamentos com eleições indiretas que solapam os verdadeiros representantes e, na sua mais nova versão, tribunais que se consideram mais democráticos que o parlamento enquanto tratam o verdadeiro soberano, que deveria ser o povo, como um aglomerado de pequenos tiranos.

A verdadeira tirania, que testou, com sucesso, um regime de exceção durante a pandemia, instaurou um sistema no qual a vontade da autoridade expressa em uma carta, deve ser cegamente cumprida, mesmo que afronte a realidade e não apresente qualquer justificativa. Durante os testes da pandemia, houve quem impusesse aos cidadãos, verdadeiro toque de recolher, se que ficasse claro qual a relação de contágio com o período noturno, bem como, a impossibilidade de adquirir determinados bens, isolando prateleiras nos mercados, algo que, igualmente, não foi explicado.

Recentemente, o aumento do percentual de etanol na gasolina, algo que era limitado com base no argumento de que um percentual elevado colocava em risco o funcionamento do motor dos veículos, logo, danificava os bens de terceiros em função do aumento do lucro dos postos, foi adotado com a premissa de manter o preço do combustível viável, ignorando totalmente o argumento que sustentava a proibição anterior. Restou evidente que a proibição anterior era uma farsa ou, ainda mais grave, que o aumento no percentual colocado em prática, visa um benefício político para o Governo atual que resultará em prejuízo, antes inadmissível, aos proprietários de veículo.

Ao perceber que não é preciso justificar suas ações perante o povo, uma vez que, tal aglomerado de pequenos tiranos não é digno de se julgar soberano, o autoritarismo tomou cada vez mais medidas descabidas e não fundamentadas, deixando claro que o outrora invocado “espírito da lei”, a justificativa para a existência de lei, ato normativo ou decisão judicial, perdeu sua serventia, pois não se sabe o quê é soberania e qualquer ato contrário a uma autoridade que se considere a nação pode ser tratado como ataque à soberania ou ao Estado Democrático de Direito, sem, ao menos definir como seria derrubado o Estado em mera cogitação ou sem meios eficientes, abolindo assim os conceitos de fase de cogitação e crime impossível, outrora válidos, do Direito Penal.

Se nem mesmo organizações criminosas como o Comando Vermelho, O Primeiro Comando da Capital, o Terceiro Comando Puro e outras tantas, que, de fato, exercem controle territorial e aplicam suas regras aos cidadãos que habitam em tais regiões, por mais que tenham características de organizações terroristas, não são consideradas como ameaças reais ao Estado Democrático de Direito, seria absurdo assumir que indivíduos armados, em um domingo, tomariam o poder e fariam a abolição forçada do Estado, além, é claro, executarem uma autoridade que sequer no país se encontrava, por isso, a narrativa acaba deixando pontas tão soltas que impedem que qualquer ser racional, não movido por interesse nefasto ou uma paixão doentia, seja convencido.

Restou a famigerada defesa de uma democracia sem povo, posto que, são pequenos tiranos, e da soberania nacional que se vê atacada quando autoridades têm vistos negados para entrarem em outro país, que está exercendo a sua própria soberania, ao não aceitar visitantes indesejados em seu território, confundindo os incautos alegando que qualquer prejuízo a determinadas autoridades é um ataque à nação. A confusão entre a figura tirânica e o próprio Estado, muito bem colocada na frase Je suis la Loi, suis L’Etat; L’Etat c’est moinunca foi tão evidente.

Por mais que pareça absurdo, vivemos em um momento no qual compreender o real significado das coisas tornou-se uma tarefa indispensável, pois, se não um povo ignora a verdade, nos tornamos uma nação perdida. É preciso enfrentar a raiz do problema para que não sejamos iludidos guiados por tiranos.


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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 56 edição de Julho de 2025 – ISSN 2764-3867


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