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Ativismo Judicial


Ativismo judicial

A filosofia é pródiga em nos ajudar com conceitos, para que entendamos a realidade com maior clareza. Aliás, seu próprio nome tem origem etimológica nos temos gregos filos – amor e sofia – sabedoria. Amor pelo saber.

Pois bem. Os estudos de filosofia clássica nos trouxeram a visão de que o homem é um universo em si mesmo. Afinal, se Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, ele desejou reproduzir o macrocosmo na figura de cada indivíduo, sendo cada um de nós um microcosmo, que reproduz o Universo.

O problema é quando cada um desses homens, quando investido de poder jurídico, resolve transformar-se em uma ilha de sabedoria, interpretando as leis e a constituição à sua maneira… A isso, damos o nome de ativismo judicial.

Imaginem vocês, então, que na data de hoje, um estudante aguerrido de Direito, lutando para passar em um concurso público, servir à sociedade, estuda os autores incensados pelos examinadores do concurso, devora leis e jurisprudência, deixando de lado seu juízo de valor pessoal, a fim de assimilar o máximo de informação possível, para ser aprovado…

Resultado: aprovação em um concurso da magistratura! Mas… uma vez empossado, esse juiz começa a compreender as coisas de outra maneira… agora, quando seria possível atuar com certa independência e autonomia funcionais, ele decide fazer as próprias interpretações da lei e da constituição…

Dentro dos limites do que o legislador quis dizer, quando fez a lei – e a isso chama-se respeitar o originalismo das leis e sua textualidade, segundo o grande Antonin Scalia: não inovar, mas extrair o sentido do que quis dizer o legislador – o magistrado até poderia interpretar a lei, aplicando-a ao caso concreto que tenha em mãos.

Entretanto, ao estender o alcance da lei, extraindo dela o que bem desejar, adequá-la aos seus entendimentos e torná-la elástica, diante do que entende que faltou ao legislador fazer, é justamente nessa hora, que nasce o ativismo judicial.

Mas vamos lá, explicando melhor o que eu quero dizer: se o nosso legislador, por exemplo, na Constituição Federal, ou seja, a Assembleia Constituinte, criada para formar o conteúdo da CF, disse, no artigo quinto, que é garantido o direito à vida, e que esse é indisponível.

Aliado a esse direito, temos o código penal, punindo em seus artigos 124 a 127 o crime de aborto, ou seja, a própria gestante, ou quem ajuda a gestante a realizar um aborto. Está claro para todos nós, que o aborto é um crime, certo? Tanto que é punido, pelo CP, e há o direito fundamental à vida, preservado lá pelo artigo 5º. Porém, aquela pessoa que se tornou magistrado anteontem, passou a se considerar, como diz Thomas Sowell, uma intelectual ungida por Deus, praticamente uma monarca absolutista entronada, e resolveu que o direito à liberdade, ao “meu corpo, minhas regras”, é absoluto e superior ao direito à vida.

Dessa forma, se um caso desses de crime do artigo 124 cai em suas mãos, esse juiz entende que não há crime a punir, pois a gestante faz o que quiser com o próprio corpo. Mas e o direito à vida, daquele bebezinho que está no útero? Bem, esse será relativizado pelo direito à liberdade. Como assim? Ora, porque o juiz entende que os direitos fundamentais à vida e à liberdade são equivalentes!

Mas... esse ativismo judicial não começa no primeiro grau de jurisdição. Ele vem dos tribunais superiores, e em efeito cascata, começa a dominar todos os demais órgãos julgadores. Ao interpretar-se as leis, em defesa de pontos de vista próprios, sem avaliar a vontade do legislador, o julgador começa a ser um ativista, agindo em prol das próprias causas e opiniões, desfigurando o Direito e as leis.

Ah, mas o julgador está suprindo lacunas da lei, adequando-a à modernidade. Será? Caso o legislador desejasse o casamento gay, esse não estaria previsto em uma emenda à constituição federal? Caso desejasse permitir o aborto ou a legalização das drogas, também não? Isso não é uma lacuna da lei. Não foi da vontade do legislador regulamentar isso. E é preciso que os julgadores aceitem isso.

Em todo o mundo, temos visto o avanço de um neoconstitucionalismo. Mas o que seria isso? Seria uma interpretação da constituição à luz de princípios, que nos países que se dizem democráticos, sobretudo, estão em profusão, em suas constituições.

Alçando esses princípios à categoria de superiores às leis, os julgadores vão criando uma plasticidade, uma elasticidade para sua interpretação, que nada mais ficará de fora. Nenhuma lei terá o poder de barrar o avanço das decisões baseadas em princípios constitucionais.

Entretanto, o princípio constitucional não tem esse superpoder… ele precisa ser interpretado à luz da vontade do legislador, e não sobrepondo-se a esta. Mas por quê? Por um motivo muito simples: O legislador foi eleito pelo povo, para legislar. Foi-lhe concedido um mandato, para que ele crie leis que regulamentem a vida em sociedade.

O julgador não foi eleito. Ele ou prestou concurso, ou foi nomeado para seu cargo, que normalmente tem caráter vitalício, e não recebeu uma procuração da população, para que legislasse em seu nome. Logo, é absolutamente ilegal e fere de morte a tripartição de poderes, esse ativismo desenfreado que tem-se visto por aí.

E o que seria a JURISTOCRACIA? Bem, a juristocracia é um desdobramento do ativismo. Todas as vezes em que o Poder Judiciário, por meio de suas decisões e interpretações, à base da livre convicção de membros das cortes judiciais, a tendência é que esse poder vá, pouco a pouco, tornando-se preponderante sobre os demais poderes, gerando um desequilíbrio entre os três.

Porque se a função legislativa não lhe cabe, mas seus integrantes insistem em exercê-la, em pouco tempo esse Poder engolirá os demais. A isso dá-se o nome de Jusristocracia: um país governado pelas decisões judiciais, e não mais pelas leis do executivo e do legislativo.

Em ditaduras, como Venezuela e Cuba, bem como na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini, esse procedimento foi se instalando rapidamente, decidindo os juízes dos tribunais, de acordo com o desejo dos ditadores no poder, sob pena de serem todos destituídos de seus cargos.

Ao curvarem-se ao desejo dos governantes, adaptando a interpretação das leis ao que agrade ao regime, esses magistrados criaram uma predominância do poder judiciário, sobre os demais poderes, causando um desequilíbrio tão evidente, que os juízes de Hitler eram chamados de Juízes do Reich, muitos deles tendo sido presos e condenados após a queda do regime, tendo inclusive declarado, em seus julgamentos, que desconheciam a existência de campos de concentração em seu país.

Esse é um exemplo típico de juristocracia.

Mas o legislativo e o executivo não podem fazer nada? É evidente que sim. O legislador constitucional muniu os três poderes de remédios constitucionais eficazes, para que os abusos sejam coibidos.

Infelizmente, fica claro, observando-se a dinâmica de países em que a juristocracia se instalou, que é confortável, para os demais poderes, que o Judiciário dê as cartas. Muitas das vezes, há um acordo velado entre os chefes dos 3 poderes, que admitem essa predominância do judiciário, em troca de outras vantagens, sejam processos de corrupção arquivados, nomeações de pessoas duvidosas para tribunais superiores, com o aval da cúpula do judiciário, cassação de mandatos de personas non gratas para eles…

Onde a desfaçatez impera, a atuação criminosa se instala. E é por isso que temos visto um crescimento vertiginoso desse neoconstitucionalismo, que serve a interesses de poderosos.

Enquanto as universidades forem celeiro de ideologias e posicionamentos favoráveis ao neoconstitucionalismo, não conseguiremos criar operadores do Direito comprometidos com a lei, a ordem, a essência da Constituição (que, diga-se de passagem, a nossa também já nasceu comprometida).


Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 35 - ISSN 2764-3867

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