O que Schopenhauer tem a ver com a sabatina de Bolsonaro no Jornal Nacional
A Erística (do grego Eris, deusa grega do caos) refere-se a argumentos que visam contestar com êxito o argumento de outra pessoa, em vez de procurar a verdade. Esta dialética foi abordada pelo filósofo Arthur Schopenhauer na obra conhecida “A arte de ter razão”, publicada postumamente. Nela, o autor apresenta 38 estratagemas para vencer uma discussão.
Segundo Schopenhauer, a Dialética Erística se preocupa principalmente em tabular e analisar estratagemas desonestos, para que possam ser reconhecidos e derrotados de uma só vez, a fim de continuar com um debate dialético produtivo. É por essa mesma razão que a dialética erística deve admitir ter vitória, e não verdade objetiva, por seu objetivo e propósito egoístas.
Quem leu a obra atentamente e assistiu a sabatina do presidente Jair Bolsonaro no Jornal Nacional certamente pensou: os apresentadores mergulharam profundamente nos estratagemas da obra para elaborarem suas citações estapafúrdias contra o candidato à reeleição.
A sabatina inicia; aparentando educação e cortesia, William Bonner e Renata Vasconselos cumprimentam Jair Bolsonaro e agradecem por sua presença. Porém, essa elegância britânica acaba tão logo a primeira pergunta é feita: Bonner afirmou que o presidente havia xingado ministros, acusado “sem provas” o modo de como é realizado o processo eleitoral e o acusou de ter ameaçado impedir a realização do pleito em 2022. Então veio a pergunta: “O senhor pretendeu criar um ambiente que, de alguma forma, permitisse um golpe?”
Aqui encontramos o estratagema número 1: “Levar a afirmação do inimigo para além de seus limites naturais, interpretá-la do modo mais geral possível, tomá-la no sentido mais amplo possível e exagerá-la”.
Ora, o presidente não xingou ministros; aliás, apenas um está esticando a corda ao ponto de ruptura (talvez não seja necessário escrever o nome do “santo”, já está claro de quem se trata). E no que tange às eleições, sabemos que Bolsonaro não é um ditador; ao contrário do que a ala vermelha da força prega, o presidente sentou-se para conversar com todos os que propuseram diálogo republicano. Logo, não seria coerente ser contra as eleições. As duras críticas que ele e muitos fazem é sobre o processo eleitoral, que carece de lisura.
Para contra argumentar a fala de Bolsonaro sobre a transparência do processo eleitoral, Bonner utiliza-se do estratagema 30: “Argumento baseado no respeito. Em vez de razões, precisamos de autoridades, segundo a medida dos conhecimentos do adversário. ‘Todo mundo prefere crer a julgar’, diz Sêneca”.
Este argumento é aquele onde se traz os “entendidos” de um determinado assunto, já que não se tem base para refutar. E foi isso que William fez ao dizer que vários “órgãos fiscalizadores”, como o Tribunal de Contas da União, Advocacia Geral da União, associações de juízes, de juristas, de delegados da polícia federal tinham atestado a segurança das urnas eletrônicas.
Porém, uma importantíssima associação ficou de fora: a dos trabalhadores da área de T.I. Por que será?
Mudando para o assunto pandemia, Bonner “passa o bastão” para sua colega Renata, que, devidamente municiada de falas retiradas de contexto, tentou colocar Bolsonaro contra a parede.
Um dos questionamentos de Renata foi: “O senhor estimulou e usou dinheiro público para comprar medicamento comprovadamente ineficaz contra a COVID”. Ela utilizou-se do estratagema 5: “Para provar nossa tese, também podemos utilizar premissas falsas (...) então tomamos proposições que são falsas em si, mas verdadeiras ad hominem e argumentamos a partir do modo de pensar do adversário ex concessis” (limitar a validade de uma tese).
Por que a premissa de Renata é falsa? Porque o tratamento precoce é algo que os médicos sempre realizaram. E quando há uma “doença nova” e existe a possibilidade de o medicamento X ser eficaz, o profissional tem a liberdade de receitá-lo, já que não existe vacina ou remédio específico naquele momento. Fora o fato de inúmeras pesquisas científicas atestarem a eficácia do tratamento precoce para COVID, pesquisas estas publicadas em revistas científicas importantes, como a Lancet e a Nature.
E o presidente, além de refutar este absurdo, acrescentou: “O grande erro disso tudo foi um trabalho forte da grande mídia, entre eles, a Globo, desestimulando os médicos a fazerem o tratamento precoce.” Touché!
Parece que os âncoras do jornal não se recordam, mas eu farei o papel da memória e farei isso: inúmeros médicos foram perseguidos unicamente por receitarem o tratamento precoce, embora o próprio -residente do CRM, Mauro Ribeiro, ter dito à época:“O CFM não incentiva o tratamento precoce ou o condena, tampouco bane. Falar que a hidroxicloroquina e a ivermectina matam é falácia. Quem quer fazer o tratamento precoce, que faça. Quem não quiser, não faça”. E disse que o Jair Bolsonaro citou na sabatina: a autonomia dos médicos. “Qual foi a nossa postura sobre o tratamento precoce? Deixar o médico definir o que é melhor para o paciente dele”.
Já que Renata não obteve a resposta que tanto desejava, começou a indagar seguidamente o presidente no mesmo tema, sem pausa para respiração, diga-se de passagem: “Mas candidato, o senhor desestimulou a vacinação, isso não tem nada a ver com liberdade; o senhor chegou a dizer que quem tomasse a vacina poderia virar jacaré; o senhor associou a vacinação ao vírus da AIDS”.
Aqui foi utilizado o estratagema 7: “Perguntar muitas coisas de uma só vez e em detalhes para ocultar aquilo que realmente se quer que seja admitido e, por outro lado, apresentar rapidamente a argumentação resultante do que foi admitido.” Ou seja: pergunte freneticamente para que seu adversário desista de responder ponto por ponto e seja vencido pelo cansaço.
Jair respondeu a quase tudo, exceto a situação mais espinhosa, digamos: as vacinas “causariam” HIV. Como o assunto é complexo, tentarei resumir: em outubro de 2021, na sua live semanal, o presidente leu o título de uma matéria da Revista Exame, que dizia “Algumas vacinas COVID podem aumentar o risco de HIV”. A matéria em questão citou um ARTIGO CIENTÍFICO (deixo bem claro isso porque não foi o presidente quem afirmou isso) publicado na Revista The Lancet, que dizia que, a utilização de um adenovírus na fabricação de vacinas para a pandemia poderia aumentar o risco de que pacientes fossem infectados com o vírus HIV. Um dos médicos que participou do estudo foi o DR Lawrence Corey, que ajudou a desenvolver uma vacina para combater a AIDS em 2007 e constatou: o número de infectados aumentou após as doses. Ou seja: não foi o presidente Bolsonaro quem fez esta associação, e sim algo que foi atestado por médicos.
Porém, uma das piores falas de Renata foi, ao citar o lockdown, reescrever o lema da pandemia de “Fique em casa” para “Fique em casa SE PUDER”, numa tremenda falta de respeito aos brasileiros que foram agredidos e presos unicamente porque, necessitando trabalhar para sustentar sua família, “transgrediram” o decreto da quarentena.
Aqui, foi utilizado o estratagema 26, que trata do argumento de reversão (inverter o argumento do adversário): “Uma manobra brilhante é a retorsio argumenti: quando o argumento que o adversário quer usar a seu favor pode ser mais bem usado contra ele.” Quando Renata se utiliza da expressão “se puder”, está tentando vender a ideia de que, se a população sofrer, a culpa é do Presidente, e não dos governadores e prefeitos que trancafiaram trabalhadores em casa.
Analisando toda a sabatina, a impressão que se tem é a de que William Bonner e Renata Vasconcelos se utilizaram da obra de Schopenhauer dias a fio, preparando-se para esta entrevista. Claro, trato como mera especulação esta premissa, contudo é assustadora a proximidade das perguntas inquisitórias feitas ao presidente e aos estratagemas abordados por Arhur. E quem assiste na íntegra percebe que, de fato, foram utilizados estratagemas desonestos, que não buscavam a verdade dos fatos com o objetivo de esclarecer o eleitor.
Aristóteles escreveu:
“Pessoas que apreciam a verdade gostam de ouvir boas razões, mesmo da boca do adversário”.
E a sabatina mostrou quem gosta de boas razões; e não são os âncoras da rede Globo.
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