Valor e virtude
O fato de as pessoas sentirem-se especiais, únicas e exclusivas, hoje em dia, mesmo que não possuam qualquer habilidade ou talento diferenciado, vocação para coisa alguma ou valores morais elevados, é algo que me choca constantemente.
O simples fato de existir, dá a todo e qualquer ser humano da face da Terra – que seja guiado pelo coach da moda ou por influencers de plantão – a possibilidade de “ser o que quiser”. Certo? Totalmente ERRADO. E a prova disso é a mediocridade que impera, a falta de perspectivas e propósitos de vida, o viver cada dia como se fosse o último, sem que se dê qualquer sentido a essa existência.
A consequência desse sonho hedonista e desprovido de senso de realidade é a depressão. O vazio de uma vida sem porquê vai cobrar a conta, em algum momento, e o indivíduo perceberá que é uma fraude. Não possui nenhuma característica especial, qualquer superpoder, talento ou vocação, e segue pela vida sem saber bem para onde quer ir.
Todos nós possuímos uma missão, um objetivo na vida, que é a evolução moral e pessoal. Esse era um entendimento intrínseco a todas as gerações, ao longo dos séculos, que infelizmente foi se perdendo, desde a segunda metade do século XX.
Valores e virtudes são características constitutivas de nossa personalidade, dessa sendo indissociáveis, mas o homem moderno simplesmente não dá mais bola para isso. Um valor moral e uma virtude não se perdem na dificuldade. Não são negociáveis. Não perecem com o tempo.
Caso você deseje fazer um teste, para compreender o que é um valor, basta que se pergunte se a característica que está sob análise é impactada pela passagem do tempo, podendo desaparecer ou mesmo alterar-se, devido às circunstâncias.
Portanto, um corpo torneado, fama, fortuna, poder, não te tornam automaticamente uma pessoa virtuosa – muito embora a nossa sociedade acredite que sim. Porque estes são atributos perecíveis, pela passagem do tempo, por circunstâncias da vida, por mudança da situação fática, o que os torna absolutamente vulneráveis e frágeis, ante a realidade da vida. Para adquiri-los, você não precisa exercitar as virtudes, o que torna tais atributos acessíveis a qualquer pessoa, ainda que sem caráter ou inescrupulosa.
A aquisição de um valor ou de uma virtude, ou o seu aprimoramento, estão intrinsecamente ligados a um movimento pessoal, a um esforço genuíno, a um exercício diário de cada um de nós. Ser virtuoso dá muito trabalho!
E é pela narrativa que vem sendo construída na sociedade, de que você pode ostentar atributos e conquistar seu espaço, sem fazer muito esforço, que o corpo, a fama e a fortuna conquistaram um lugar de honra, na modernidade. Porque para conquistá-los, não é necessária uma reforma íntima.
É muito mais fácil ser rico do que ser corajoso. Ser famoso do que ser honesto. Ser poderoso do que ser amoroso. Virtudes, para serem conquistadas e aprimoradas, exigem de nós muita abnegação, imenso esforço pessoal, disciplina e propósitos elevados. E a Civilização vive uma crise moral sem precedentes, o que torna tudo isso muito mais árduo de ser obtido.
Enquanto o futuro da Humanidade era incerto, recheado de desafios, guerras, fome, miséria e morte, as pessoas precisavam desenvolver valores, virtudes, habilidades e motivações, para permanecerem vivas e buscarem um sentido para tanto sofrimento.
Tempos prósperos e fáceis geraram pessoas acomodadas, fracas, sem determinação e, sobretudo, desprovidas de valores pessoais sólidos. Hoje, compra-se felicidade ali na esquina, vendida no invólucro dos prazeres e da diversão. Tudo está ao alcance de um clique na internet. Por que esforçar-se?
Porque a vida, desprovida de algo maior que nos norteie, perde sua razão de ser. Por isso, vemos tantas pessoas anestesiadas, deprimidas, com olhar vazio e com medo de tudo. Gente como eu e você, que não sabe o que veio fazer no mundo, e que conta os dias sem grandes expectativas.
Pra você descobrir o que veio fazer aqui e o que espera do seu futuro, você vai precisar encontrar a sua essência primeiro. Quem você é? Quais são os seus valores inegociáveis? Quem, dos que estão ao seu lado, é verdadeiro? Seus relacionamentos baseiam-se no sentimento que você nutre pelos outros, ou na utilidade que as pessoas têm para você? Se você morresse amanhã, qual seria o seu legado, o que diriam de você , em seu obituário?
Nenhuma destas questões é de fácil resposta, mas todas elas encerram os pilares principais de nossas vidas: saber o que estamos fazendo aqui, quais são os nossos objetivos e propósitos, e, sobretudo, quem queremos por perto, nessa jornada. As companhias são primordiais, na formação de nosso comportamento e no aprimoramento das nossas virtudes.
Buscar virtude, em um mundo tão contaminado por pessoas frívolas, relativização do certo e do errado, coisas impermanentes e comportamentos duvidosos é muito complicado. Entretanto, o outro lado dessa moeda é uma vida vazia e a imbecilização completa e constante.
Enquanto o comportamento coletivo nos sinaliza algo totalmente desprovido de bom senso, precisamos ir além, mergulhar fundo em nós mesmos, daí emergindo com as respostas adequadas, para os nossos questionamentos. Tudo vem de dentro. Vale a pena tentar e encontrar o que está por baixo dessa superfície social, que todos nós ostentamos. A verdade é uma só. Ela existe e espera por você. Boa jornada!
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. II N.º 31
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