“Chris Rock e seu stand-up biology”
“Somente mulheres, crianças e cachorros, são amados incondicionalmente. Um homem só é amado sob a condição dele prover algo”.
A afirmação acima foi feita pelo ator e humorista Chris Rock durante um de seus shows de stand-up comedy. A declaração é, sem dúvida, chocante e pode soar ofensiva para algumas pessoas. Todavia, aparentemente, o humorista usou um dos artifícios mais comuns no humor: o exagero, criando uma caricatura de uma parte das relações socioafetivas entre homens e mulheres e, por extensão, com suas famílias. Mas, afinal, foi de fato um exagero? O que pode haver de real? Que base histórica ou mesmo científica poderia ter o humorista para tocar num ponto tão sensível?
A ideia de que as mulheres, devido ao seu papel na gestação e cuidado dos filhos, tendem a buscar segurança e recursos enquanto os homens buscam a perpetuação de seus genes está fundamentada em algumas teorias evolutivas e sociológicas.
A teoria da Seleção Sexual, proposta por Charles Darwin, sugere que as características que aumentam as chances de reprodução são favorecidas pela seleção natural. No contexto humano, isso pode significar que as mulheres têm uma tendência a escolher parceiros que oferecem recursos e segurança. Assim, nesse contexto, o status socioeconômico é um quesito valioso para atender àquela teoria. Por outro lado, os homens procuram características que indiquem saúde e fertilidade nas mulheres, o que coloca a beleza física e elementos de cuidado, asseio e maquiagem como itens visuais relevantes. Ao que parece, ao menos do ponto de vista do darwinismo, o humorista parece ter acertado.
Desenvolvida por pelo biólogo americano Robert Trivers, a teoria do Investimento Parental sugere que o sexo que investe mais na prole (geralmente as fêmeas de mamíferos) será mais seletivo na escolha do parceiro, enquanto o sexo que investe menos (geralmente os machos) será mais competitivo. No caso humano, isso implica que as mulheres podem ser mais seletivas na escolha de parceiros que oferecem recursos e apoio parental, enquanto os homens podem ser mais propensos a competir por acesso a parceiras férteis.
Complementando a análise biológica de Darwin e a biossociológica de Trivers, encontramos a ‘psicologia evolucionista das relações humanas’, desenvolvida pelo psicólogo americano David Buss, que é uma abordagem que explora como os padrões de comportamento humano podem ser entendidos enquanto adaptações evolutivas. Argumenta-se que as preferências e estratégias de acasalamento dos seres humanos são moldadas por pressões seletivas ao longo da evolução. Portanto, as mulheres podem ter evoluído para valorizar características que sinalizam recursos e comprometimento parental nos parceiros, enquanto os homens podem ter evoluído para buscar sinais de fertilidade e saúde nas parceiras.
Essas teorias oferecem uma lente através da qual podemos entender as dinâmicas de relacionamento humano, mas é importante reconhecer que elas representam simplificações de fenômenos complexos e que o comportamento humano é influenciado por uma variedade de fatores culturais, sociais e individuais.
Todos esses fatores e teorias são relevantes do ponto de vista material, mas, somente sob este ponto de vista, não se pode dialogar com a experiência humana de modo completo.
Assim, poderíamos argumentar que, exclusivamente dentro desse contexto evolutivo, os homens que são mais bem-sucedidos em prover recursos podem ser percebidos como mais atraentes para as mulheres, já que oferecem uma maior garantia de sobrevivência e prosperidade para a prole. Portanto, pode haver uma conexão entre as teorias mencionadas e a ideia de que os homens são amados com base no que podem prover, como sugerido na fala do humorista Chris Rock.
No entanto, é importante ressaltar que essa conexão não é uma justificativa para defender ideias revolucionárias que supostamente buscariam destruir estereótipos de gênero ou para afirmar que as relações humanas são exclusivamente determinadas por fatores biológicos ou evolutivos, conforme tem sido defendido por feministas de terceira onda e o movimento Woke. Queremos reforçar que o comportamento humano é muito complexo e influenciado por uma interação ampla de fatores biológicos, culturais, sociais, individuais e metafísicos. Portanto, qualquer generalização ou simplificação deve ser evitada, considerando a diversidade de experiências e contextos sociais.
A sociedade ocidental contemporânea tem sido exposta a novas visões de mundo onde, por um lado, muitas mulheres têm sido conduzidas a rever seus papéis sociais, assumindo seu tão falado empoderamento; por outro lado, algumas mulheres têm percebido no empoderamento uma oportunidade de conquista de patamares socioeconômicos mais elevados por meios não muito ortodoxos. Percebendo o alinhamento das teorias citadas, entendemos que elas não têm explicado o comportamento socioafetivo humano, mas dirigido e criado uma fundamentação supostamente científica para um comportamento que poderíamos incluir numa hipotética ‘Teoria da Involução da Espécie Humana’. Parte da sociedade humana (principalmente no ocidente) tem involuído ou se desumanizado ao ponto de, em alguns casos extremos, defender a igualdade entre todos os animais, ou levando muitos a imitar comportamentos sociais e do ciclo reprodutivo das espécies menos evoluídas.
Independentemente do sexo biológico, algo nos chama a atenção nas relações entre seres humanos: o amor. Na língua portuguesa, assim como no inglês e em muitas outras línguas, a palavra é empregada para definir um espectro bem amplo que vai desde a emoção até o nível do sentimento. Possivelmente, os antigos gregos tivessem mais facilidade em comunicar o que sentiam. Para essa tarefa, contavam com um arsenal bem mais completo. Eros é a palavra que define o amor romântico e o desejo sexual. Philia apresenta o amor fraternal ou amizade. Ágape, o amor incondicional e altruísta. Storge remete ao amor natural e instintivo. Xenia refere-se à hospitalidade e ao amor e respeito que se espera entre anfitriões e convidados. Como se vê, para eles não seria normal confundir uma emoção como a paixão com um sentimento tal qual o amor genuíno entre dois seres.
Em sentido amplo, as relações baseadas no amor sempre existiram e são encontradas através da história e de seus registros. Uma ideia que fazia parte da instituição divina do casamento como algo funcional por tantos séculos era a de que o amor deveria ser construído a dois ao longo da convivência, mas não necessariamente precedendo o enlace. Pode parecer algo difícil de conceber, mas no contexto das comunidades do passado, isso representava segurança. Relações em que o amor idealizado, romântico, deveria preceder a convivência foram se tornando mais comuns a partir do século XIX, quando gradativamente foram se tornando o ideal dos jovens recém-chegados à adolescência. Esse tipo de idealização foi substituindo lentamente os casamentos arranjados entre clãs, famílias ou Estados Nacionais, tendo como pano de fundo os interesses mais diversos. Todavia, passado o período químico da paixão, muitas vezes ocorre uma quebra de expectativas e a possível falência da relação. Não havendo uma ‘cola’ que mantenha a coesão entre o casal, abre-se caminho para as separações.
Podemos considerar que um dos fatores que mais colabora para a evolução dos relacionamentos, de patamares estritamente biológicos ou evolutivos, incluindo também os fatores econômicos e políticos entre aqueles primeiros, para patamares afetivos é o desenvolvimento de um sentido metafísico e de pertencimento a comunidades religiosas. A partir do momento que um ser humano passa a se desvincular do plano exclusivamente materialista e biológico, passando a encarar a vida de um ponto de vista prioritariamente espiritual, passa a desenvolver amor e atitudes de cuidado, zelo e proteção, não mais vinculados a interesses, necessidades ou qualquer outro elemento que lhe traga algum benefício. Temos então aquela ‘cola’ que citamos anteriormente. Queremos antecipar aqui um questionamento: a título de exemplo, pode-se argumentar que leões defendem sua prole e não são religiosos ou metafísicos. Todavia, animais não contemplam a vida senão do ponto de vista de seus instintos e sensações. São dirigidos inexoravelmente por suas necessidades mais básicas, como a perpetuação de seus genes, por exemplo. Seres humanos podem refletir e decidir acima do nível mais rasteiro dos instintos primitivos.
Quando os seres humanos começam a se envolver com conceitos metafísicos, como a ideia de um propósito maior na vida, um plano divino ou uma conexão espiritual com outros seres e o Criador, isso influencia profundamente suas perspectivas sobre o amor, o cuidado e as relações interpessoais. Em vez de se limitarem apenas à sobrevivência física e à reprodução, as pessoas passam a buscar significado, conexão emocional e transcendência através de seus relacionamentos.
Nesse contexto, as religiões e filosofias espirituais muitas vezes promovem valores como compaixão, generosidade, perdão e amor altruísta, que podem guiar as interações humanas em direção a formas mais elevadas de relacionamento. Esses sistemas de crenças oferecem um quadro moral e ético que pode influenciar as atitudes e comportamentos das pessoas em relação umas às outras, independentemente das considerações puramente biológicas. Em última instância, cabe ao ser humano decidir e agir. Não basta crer, há que se viver o que se crê.
Portanto, ao considerar a evolução dos relacionamentos humanos, é importante reconhecer não apenas os aspectos biológicos, mas também o papel crucial que as crenças metafísicas desempenham na ampliação das motivações e dos ideais que moldam as interações humanas. Essa dimensão espiritual pode enriquecer e complexificar as relações humanas, oferecendo novas perspectivas sobre o amor, o cuidado e a conexão interpessoal.
Retornando a Chris Rock, o humorista demonstrou em seu aforismo o que percebemos na sociedade apocalíptica em que vivemos. A humanidade se desumaniza no sentido em que se conecta prioritariamente com seu aspecto biológico e se afasta do que verdadeiramente é, ou seja, seres espirituais criados para se distinguirem da matéria, mesmo mergulhados em plena materialidade. Muitos homens e mulheres têm sido arrastados pelos seus instintos e têm se permitido animalizar, no sentido em que renunciam a seu poder de escolha e se tornam inexoravelmente dirigidos por seus instintos. Assim, não seria caso de espanto que homens passassem a ser valorizados pelo que pudessem oferecer financeiramente e mulheres pelas capacidades atrativas e reprodutivas.
Por fim, o humorista, intencionalmente ou não, descreveu os efeitos do distanciamento do homem em relação a Deus. Ele 'desenhou' um dos objetivos da força maligna sob a qual o mundo jaz. Na verdade, não exagerou para fazer humor; fez humor com a incapacidade de parte da sociedade em que vive de perceber que não tem sentimentos, mas apenas sensações, emoções e instintos. Essas pessoas não seguem o Caminho, não creem na Verdade e, por consequência, não têm Vida; apenas existem. Não se trata de uma teoria da evolução reversa, mas de um projeto elaborado desde o princípio dos tempos por uma mente perversa.
Concluindo, Deus ama homens e mulheres sem distinção de sexo. Quanto a nós, devemos ser imitadores deste divino exemplo nas relações entre uns e outros.
“38 Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, 39nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”. (Romanos 8:38-39)
Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 46 - ISSN 2764-3867
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