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Entrevista com Presidente da Fundação Biblioteca Nacional

Editor-chefe da Revista Conhecimento & Cidadania entrevistou o Dr. Luiz Ramiro Jr. atual Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.



Hoje, estou com o Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, professor Luiz Ramiro, o senhor poderia nos contar a história da Biblioteca Nacional?

Bom, existe uma história da Biblioteca Nacional no Brasil e existe uma pré-história dela a partir de Portugal. A origem desse acervo é sobre tudo da Real biblioteca que vem com Dom João, dois anos depois da chegada dele no Brasil, ou seja, em 1810, ela é produto de um grande feito de Portugal. Foi a reconstrução a partir do terremoto que se deu em Lisboa no século XVIII, então, a partir dessa catástrofe ocorre um esforço de Portugal para reorganizar suas coleções. A Biblioteca Real é um elemento muito importante da formação do Estado, da formação dos Príncipes, tanto que a Biblioteca Nacional tem a coleção do Infantado, faz parte de uma das coleções da instituição, e isso representa algo muito singular para o Estado, e nós herdamos isso.

Dom João quando instaurou as bases de um Estado no Rio de Janeiro, fez algo muito importante no Rio de Janeiro, é a única cidade nas Américas que foi capital de um império europeu, um reino europeu, então é algo de muita dignidade, de uma marca histórica muito importante. E com a vinda de Dom João, com a Real Biblioteca isso, como eu disse dois anos depois da chegada de Dom João a Salvador depois ao Rio de Janeiro, foi 1808 – 1810, isso é alocado por convento caro e depois tem uma série de outros galhos que a biblioteca transita, depois um local que é hoje o prédio da Escola de Música da UFRJ, ali na Rua do Passeio, e em 1910 com cem anos da inspeção o prédio principal, esse prédio sede é construído, é inaugurado, na época o Presidente era Epitácio Pessoa.

A Biblioteca em 2010 completou 200 anos, é a principal instituição de cultura do país, foi muito importante na Independência, porque ela representou uma marca dessa transição no modo original de como o Brasil faz suas transições políticas e ela é um grande, na verdade a maior preciosidade da memória Brasileira, então é muita responsabilidade, muita honra gerir essa instituição, mas a dificuldade é muito grande, ela tem uma marca histórica muito profunda, porque não apenas o que ela guarda no país ou da trajetória no uso brasileiro, mas também é uma preciosidade mundial como todo país, com toda nação com pretensão civilizatória como foi Portugal e como Brasil também deve assumir, porque o Brasil herdou isso, nós somos uma civilização tropical, nós temos preciosidades não só para algo ser conscrito a uma nação, mas algo comum, a Biblioteca é um panteão também de uma memória mundial, preciosidades e verdadeiros tesouros que não há em outras partes ou se há é em número limitado, por exemplo, esse ano comemora 450 anos dos Lusíadas, a Biblioteca Nacional tem a primeira edição de Lusíadas, de Luís de Camões e assim por diante, uma série de itens que entram na memória do mundo que é reconhecida pela UNESCO. Um estudo para dizer em outra panorâmica, a profundidade dessa instituição, é marcada por essa vinda de Dom João faz as bases do Estado brasileiro, a organização brasileira, propriamente dita, e depois no momento de Independência Nacional, a Biblioteca foi marcante quando se dá, por exemplo, o reconhecimento de Portugal da Independência do Brasil isso acontece apenas em 1825, três anos depois de quando se proclama a Independência, a Biblioteca Nacional é adquirida está na ATA dos itens adquiridos de Portugal, assim como parte da esquadra que constituiu a esquadra nacional, enfim, vários itens ali de domínio público português são adquiridos fazendo parte desse processo de independência nacional e é por isso que ela tem uma identificação forte com esse momento, não é à toa que todos os demais anos de comemoração da Independência nacional, a Biblioteca ocupa um espaço de relevância, isso foi nos seus 50 anos, sobretudo nos 100 anos, em 1922, a comissão do centenário funcionava dentro da Biblioteca Nacional, onde a Câmara dos Deputados, no âmbito Federal, estava alocada devido a uma reforma no Palácio Tiradentes, isso mostra a importância. Em 1972 foi um momento de aproximação do Ministério, a época, da Educação e Cultural, com o Diretor Executivo, antigamente não havia Presidência, porque não era Fundação, apenas em 1990 a Fundação é constituída, enfim, importante identificar e que as pessoas saibam e conheçam essa importância.


Para incentivar a leitura, na sociedade atual, qual a importância da Biblioteca Nacional?

A Biblioteca tem um caráter próprio, ela é única, há apenas uma Biblioteca Nacional, por mais que ela possa e deva ser versada de diversas maneiras ela pode ter uma desterritorialidade, a gente pode pensar em Biblioteca Nacional em outro espaços, isso é até bom, ela é sediada no Rio de Janeiro, mas ela presta um serviço a todas as pessoas e ela expressa essa importância não só pelo acervo físico onde um pesquisador ou leitor pode encontrar, porque ela tem a memória bibliográfica brasileira, o que significa isso? Toda obra publicada no Brasil tem pelo menos dois exemplares dentro da Instituição, essa é uma obrigatoriedade legal, quando uma editora pública um livro tem que ter, assim como ela é um receptáculo de diversas doações, não sou aquilo que veio com Dom João e foi aperfeiçoado depois do período imperial, mas foram feitas doações e aquisições importantes, acervos muito importantes que são objetos de pesquisas, são objetos de interesse de estudantes, etc, ela é uma referência, ela serve de base para pesquisas originais, então eu falava outrora, como por exemplo, nesse período de fechamento de instituições, período de pandemia, a Biblioteca Nacional nós não temos a dimensão de quantas teses, dissertações e de trabalhos de conclusão de curso que ela salvou, porque estava tudo fechado mas ela tem uma plataforma digital em que as pessoas acessam quase todas os jornais publicados no país, um série de obras clássicas, uma série de obras que marcam a cultura nacional e mundial acessíveis em sua plataforma digital, não à toa isso faz que o acesso ao espaço digital chega em 100 milhões, em 2020 teve mais de 100 milhões de acessos ao ano, isso é muito forte, então, representa essa demanda que a instituição já tem como ela presta o serviço, a sua importância, tanto de ordem especializada, que vai desenvolver um estudo mais apurado sobre algum tema, como também para um série de serviços gerais, como o Brasil precisa ser exposto para além de suas fronteiras, por exemplo, a Biblioteca Nacional é recorrente, quando um Consulado ou Embaixada quer fazer uma exposição sobre a História do Brasil, os acervos primordiais são da Biblioteca Nacional, então nós somos provocados a versar esse conteúdo em forma digital e claro na presença de pesquisadores e leitores ela é muito importante, como, um acesso público ao seu conteúdo, isso acontece através de agendamento, isso precisa ser explicado, como o caráter dela é um caráter de guarda, a atribuição é essa, não só recolher o material que é publicado no Brasil e aquilo que é de interesse nacional, temos programas de aquisição digital, como o Projeto Resgate, que aquilo que fala sobre o Brasil no mundo, como também outra atribuição precípua da instituição é a guardiã da memória, então, para ser guardiã é preciso fazer uma devida proteção, é um cuidado de rotina, cuidado nos mais diferentes sentidos, combater todos os riscos de incêndios, como combater todos os riscos de ataques, combater todos os os riscos de roubos, etc, isso gera também muitos cuidados, muitos protocolos a acesso, etc, por mais que a biblioteca tenha suas partes de franco acesso ao público, como por exemplo a Biblioteca Euclides da Cunha que é uma biblioteca de acesso ao público franco, temos também um espaço de leitor, uma sala de leitura, que sendo frequentada por grandes intelectuais, Carlos Drummond de Andrade tinha quase que uma cadeira cativa, era muito frequente, etc, então, também é um espaço também de leitura, mas seu fim fundamental é recolhimento daquilo que é produzido, a memória bibliográfica, textual, principalmente, mas também digital, como também aquilo que compreende uma difusão desse material através de pesquisa, através de leituras especializadas, e tudo mais, é aquilo se isso não é bem produzido, bem guardado, é difícil pensar em um conteúdo que possa ser versado num bom livro didático, num bom livro de pesquisa, porque é preciso ter o ano, que é uma pesquisa, que é um documento, é um livro que precisa ser protegido, precisa ter uma guarda perpétua, permanente, então é um ambiente público, para os brasileiros, para aqueles que tem interesse nesse conteúdo.


Para finalizar, eu gostaria que o senhor falasse também sobre, se você acha que tem uma degradação na cultura, no costume de ler, e como que a Biblioteca Nacional poderia ajudar ou até mesmo combater e resguardar esse costume?

Essa é uma preocupação geral, porque há uma crise civilizatória, essa crise inclusive supera muitas, até de atritos políticos, se a gente pensar no problema dessas instituições, como as universidades também, é um problema civilizatório, uma crise muito grande, nas instituições de educação e cultura e é preciso salvar essas instituições, porque elas tem um caráter permanente, elas tem um cuidado com aquilo que é permanente, há muitos vícios e houveram muitos vícios nas suas conduções e nas suas gestões e na maneira que elas foram apresentadas e como elas são apresentadas ao público, isso gerou um descompasso, então há um distanciamento, um desapreço pela alta cultura, isso promovido justamente por instituições também, você vê a linguagem sendo desfeita, o modo como um apelo muito forte pelo uso da neutralidade, vamos ser bem francos, "todes", por exemplo, virou uma base geral de catedráticos, professores universitários, isso é antagônico aquilo que se produziu em relação a alta cultura, porque não é para ser uma coisa inacessível, mas é porque é preciso apresentar um caráter hierárquico para as coisas, as coisas funcionam dessa maneira, é a natureza das coisa, isso não é para oprimir ou diminuir ninguém ao contrário, é para mostrar que há um processo de civilização, processo de evolução mesmo, sem menosprezar ninguém, mas dizer que há um esforço, uma dedicação para que algo seja bem cultivado, as coisas funcionam dessa maneira, nós temos um processo de desnaturação, de crise, porque há uma pressão, por uma espécie de igualitarismo, que massacra essas noções mais sensatas do que significa cultura, então é pensar como Machado de Assis, figura talvez ímpar na nossa cultura, negro, gago, filho de lavadeira, enfim com todas as dificuldades, mas ele elevou a cultura e mostrou é aqui que tem que se chegar, é aqui que tem que ser, alçar voo. Poderia muito bem, não faria isso, mas poderia equalizar as coisas no nível do resto do chão e não tornaria a letra que ele desenvolveu, a linguagem que ele desenvolveu, algo tão alto que todos queriam chegar até lá, esse é o propósito, mas uma vez, isso não é para criar andores inacessíveis, muitas vezes essas discussões elas formam, elas desenvolvem apenas na sua arquitetura esse tipo de imagem ética, o desafio é mostrar que esse tipo de situação deve servir para criar uma referência, você olhar aquilo como algo bom que vai aproximar do belo, do sensato, do perfeito, é por isso que a gente quando vê uma obra de arte, uma pintura, como algo que atinge um senso muito profundo na alma, é um desafio apresentar isso como algo bom, dentro de uma pressão supostamente democrática que equaliza as coisas de modo que confunde, cria mais confusões do que na verdade noções claras de como devemos encarar, enfim, que corresponde a educação, cultura, intelectualidade, tudo mais, eu diria que vivemos num momento muito complicado em relação a isso, que não é um fenômeno brasileiro, é um fenômeno mundial, isso se dá em diversos países, em diversas instituições, isso confunde um pouco as pessoas e penso que distancia o cidadão, as pessoas em geral daquilo que deve ser cultivado, porque se qualquer coisa é qualquer coisa, você não tem uma noção clara do que é mais precioso, então qualquer coisa, nós banalizamos, esse é o grande drama. Tem uma série de motivos porque isso aconteceu, enfim, espetacularização das coisas, um desenfreado fenômeno de democratização que teve seu lado positivo que geram um acesso amplo, e isso é fruto também de uma sociedade de massa é um processo de transformação cultural, especialmente do pós-guerra, mas que entrou em certos desafios de como condicionar esse amplo acesso, que é algo muito positivo, essa forma como todos podem encontrar essa elevação, ou aquilo que é de fato uma organização do pensamento que é mais elevado, não é simples resolver esse problema, mas isso está nas instituições e está na forma que as pessoas lidam com as instituições de cultura, de educação, especialmente, se não resolvermos isso a gente entra em uma enrascada, como temos entrado e entramos em contradições, porque não adianta nós compararmos se há 100 anos atrás o Brasil tinha, não me vem a mente agora os números precisos, mas se tínhamos uma quantidade expressiva da população analfabeta, mas hoje você tem uma quantidade expressiva de leitores, mas analfabetos funcionais é quase que a maioria, as pessoas não conseguem interpretar os textos, leituras muito fluidas, muito rápidas, sem nenhuma densidade, então quiçá o grau cultural que nos atinge seja inferior hoje do que a 100 anos atrás, quando se tinha menos dinheiro, menos recursos, isso se vê claramente o que nós produzíamos há décadas e até séculos atrás e o que tem se feito hoje com muito mais dinheiro, muito recurso, muito mais polpas, muito mais espetáculo, pouco desperdício se tem, não é um choro, um lamento saudosista, é uma visão do destino que nós estamos construindo, essa não é uma discussão simples, é um labirinto entrar nisso aqui, porque não é fácil, ao contrário, nós podemos resvalar em certos francos, coisas muito perigosas, mas ela precisa ser feita, ela precisa ser aguçada, porque as pessoas procuram essa elevação, parece que não, mas elas procuram, e se não há uma coisa muito clara no sentido disso, a gente se perde, então uma pergunta que você fez, incluindo no geral, o que a Biblioteca pode fazer? A Biblioteca precisa proteger o seu lugar, proteger sua memória, que é a memória do país, a memória do mundo, ela precisa apresentar aquilo que é canônico, aquilo que é clássico, aquilo que é exemplar, então, nós fazemos isso no cuidado que nós temos com os literários, no cuidado que nós temos em relação ao Prêmio Camões que é feito com Portugal, o cuidado que nós temos nos patrocínios a literatura que é traduzida para fora, no cuidado que é feito com as pesquisas que é feita aqui, no cuidado em relação a toda curadoria de acervo e tudo mais, nos projetos que temos, por exemplo, de recomendar uma literatura clássica para o público juvenil e tudo isso resguardando e consolidando esse papel, é preciso ter um lugar que mantenha essa preciosidade, essa noção de elevação, mais uma vez, sem regozijo, orgulhoso mas sem se achar mais que os outros, muito pelo contrário, todos aqui, nós servimos os demais, dentro de um propósito de cultivo e de demonstração de uma exemplaridade.


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