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Eugenismo e identitarismo


Eugenismo e identitarismo

O que acontece quando seres humanos buscam melhorar a sociedade em que vivem, estudando a alteração de características genéticas ou defendendo o privilégio de certas características físicas? O que ocorre quando grupos tentam corrigir injustiças, defender minorias ou quitar dívidas históricas? Possivelmente, o resultado seria uma sociedade melhor e seres humanos perfeitos. O que poderia dar errado em projetos tão permeados por boas intenções? Hoje, falaremos sobre o eugenismo e os movimentos identitários.

O eugenismo é uma filosofia social e um movimento que ganhou destaque no final do século XIX e no início do século XX, com o objetivo de melhorar as qualidades genéticas da população humana. O termo “eugenismo” foi cunhado por Francis Galton em 1883, um cientista britânico primo de Charles Darwin. Galton foi inspirado pela teoria da evolução das espécies de Darwin e acreditava que, assim como a seleção natural atuava nas espécies, a humanidade poderia melhorar sua própria espécie por meio da seleção artificial. Ele propôs que a sociedade promovesse a reprodução de indivíduos considerados “superiores” e desencorajasse a reprodução de indivíduos “inferiores”.

O eugenismo supostamente se baseava em princípios de hereditariedade e genética. Galton e seus seguidores acreditavam que características como inteligência, saúde e moralidade eram hereditárias e, portanto, podiam ser aprimoradas por meio da manipulação cuidadosa das linhagens reprodutivas humanas. A ciência da genética ainda estava em sua infância, e muitos dos pressupostos do eugenismo eram baseados em entendimentos incompletos e frequentemente errôneos da hereditariedade. Por falta de uma sólida base científica, alicerçada no método científico, hoje se reconhece que o eugenismo nunca passou de pseudociência, no máximo um delírio filosófico propagado como se fosse ciência.

Além de Francis Galton, outros nomes importantes no movimento eugenista incluem Charles Davenport, um biólogo zoologista americano, que foi um dos principais defensores do eugenismo nos Estados Unidos. Ele fundou o Laboratório de Eugenia em Cold Spring Harbor e advogou pela esterilização de pessoas consideradas geneticamente “defeituosas”. Também se destaca Karl Pearson, matemático e biólogo britânico, que contribuiu significativamente nos campos da estatística e biometria, apoiando o eugenismo por meio de suas pesquisas em hereditariedade. Incluímos Madison Grant, conservacionista e advogado americano, que escreveu "The Passing of the Great Race", um livro que defendia a preservação das raças “nórdicas” e teve grande influência nos círculos eugenistas.

No Brasil, o eugenismo encontrou terreno fértil no início do século XX, influenciado por correntes intelectuais europeias e americanas. Intelectuais brasileiros, como Monteiro Lobato e Renato Kehl, defenderam a aplicação de princípios eugenistas para “melhorar” a população brasileira, frequentemente associados a ideais de branqueamento racial e progresso social. A Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada em 1918, foi um marco importante, promovendo campanhas de educação e políticas de saúde pública, baseadas em princípios eugenistas.

As políticas eugenistas tiveram consequências desastrosas em várias partes do mundo, e não é tão difícil deduzir por quê. Nos Estados Unidos, leis de esterilização forçada resultaram na esterilização de indivíduos, como no caso Buck v. Bell, de 1927. Na Alemanha nazista, o eugenismo foi levado ao extremo com o Holocausto, onde milhões de judeus, ciganos, pessoas com deficiências e outros foram exterminados em nome da “purificação racial”.

Com os avanços na genética e biotecnologia, o eugenismo ressurgiu sob novas formas. Tecnologias como a edição genética (CRISPR), diagnósticos pré-implantacionais e testes genéticos sustentam debates sobre a ética da manipulação genética e o potencial de um novo eugenismo. Embora essas tecnologias ofereçam promessas de cura para doenças genéticas, também levantam preocupações sobre desigualdade, discriminação genética e a definição do que é considerado “normal” ou “desejável” em um ser humano.

O eugenismo, em suas várias formas, continua sendo um desafio que nos leva a refletir sobre a essência da humanidade, a diversidade e a dignidade de todos os indivíduos, independentemente de suas características genéticas. Tudo o que o eugenismo proporcionou até então foi a separação entre as pessoas, a falsa ideia de superioridade, e isso levou a ações desastrosas no passado.

Agora, tendo visto o eugenismo em perspectiva, vamos analisar os efeitos das novas teorias sociais e suas possíveis consequências. O movimento eugenista do final do século XIX e início do século XX e os movimentos sociais contemporâneos, como o Woke, Black Lives Matter (BLM), movimento feminista e LGBTQIA+, parecem, à primeira vista, estar em posições diametralmente opostas. Enquanto o eugenismo promovia a separação e hierarquia baseadas em características biológicas e genéticas, os movimentos identitários atuais sustentam bandeiras que supostamente buscam igualdade e justiça social, baseadas em características raciais ou de gênero. No entanto, uma análise mais atenta pode revelar pontos de contato, especialmente na forma como ambos os conjuntos de ideologias influenciam a sociedade e a percepção das diferenças.

Como já vimos, o eugenismo fundamentava-se na crença de que a humanidade poderia ser melhorada por meio da seleção genética, promovendo a reprodução de indivíduos considerados “superiores” e desencorajando ou impedindo a reprodução daqueles considerados “inferiores”. Essa filosofia justificava políticas de segregação e esterilização forçada.

Por outro lado, movimentos como o BLM, o feminismo e o LGBTQIA+ visam corrigir desigualdades históricas e contemporâneas, combatendo a discriminação e promovendo a igualdade de oportunidades. Eles frequentemente exacerbam as diferenças entre grupos para chamar a atenção para as injustiças que esses grupos enfrentam, promovendo políticas e práticas que pretendem corrigir essas desigualdades, mas que, como tem sido facilmente constatável pela simples observação da realidade social, têm causado o afastamento e o isolamento em guetos virtuais e bolhas sociais.

O eugenismo utilizava a separação como uma ferramenta para criar uma hierarquia rígida, onde características genéticas determinavam o valor e o papel de cada indivíduo na sociedade. Essa separação era física (através de segregação) e ideológica (por meio de políticas públicas e propaganda). Já os movimentos sociais atuais também utilizam a separação, mas de maneira funcional e estratégica. Eles destacam as diferenças entre grupos, alegando lutar para reconhecer e reduzir injustiças, quando, na verdade, estimulam a animosidade entre os membros da sociedade. Para os eugenistas, a separação era um princípio para alcançar um fim: o ser humano perfeito; para os movimentos identitários, a separação é uma consequência de suas políticas, que pretendem alcançar justiça social.

Ambos os movimentos influenciam significativamente as políticas públicas. O eugenismo levou a políticas de esterilização e segregação, enquanto muitos movimentos sociais atuais promovem políticas de cancelamento, convites de adesão de empresas, onde ficam implícitas as consequências da não adesão, lobby no meio político, construção de narrativas, exposição social, vitimização, ressignificação de palavras e revisionismo histórico não pautado em evidências, mas em narrativas. Mas como tanto o eugenismo quanto, principalmente, os movimentos atuais têm alcançado tantas mentes incautas? Nossa principal suspeita recai sobre os meios de comunicação de massa. Recentemente, pudemos estudar um discurso proferido em Harvard em 1978 pelo escritor e historiador russo Aleksandr Solzhenitsyn, onde ele fez uma análise comparativa da situação no Leste Europeu em relação ao Ocidente, particularmente ao caso dos Estados Unidos. Daquele discurso, destacamos o seguinte trecho, que continua incrivelmente atual:

(…) “Pressa e superficialidade são a doença psíquica do século 20, e mais do que em qualquer outro lugar esta doença é refletida na imprensa.
Como é, no entanto, que a imprensa se tornou a maior potência dentro dos países ocidentais, mais poderosa que o poder legislativo, o executivo e o judiciário? E então gostaríamos de perguntar: por que lei foi eleito e a quem é responsável?
No Leste comunista, um jornalista é nomeado francamente como funcionário do Estado. Mas quem concedeu a jornalistas ocidentais o poder deles? Por quanto tempo e com que prerrogativas?
Há mais uma surpresa para alguém vindo do leste, onde a imprensa é rigorosamente unificada: onde gradualmente se descobre uma tendência comum de preferências dentro da imprensa ocidental como um todo. É uma moda. Geralmente são aceitos padrões de julgamento, pode haver interesses corporativos comuns, o efeito da soma não sendo concorrência, mas unificação.
Existe uma enorme liberdade para a imprensa, mas não para os leitores, porque os jornais dão principalmente ‘estresse’ e ênfase suficientes àquelas opiniões que não contradizem muito abertamente a própria e a tendência geral.
Sem censura, no Ocidente tendências da moda de pensamento e ideias são cuidadosamente separados daqueles que não estão na moda. Nada é proibido, mas o que não está na moda quase nunca encontra seu caminho em periódicos ou livros, ou ser ouvido em faculdades. Legalmente, seus pesquisadores são livres, mas eles são condicionados pela moda do dia. Não há violência aberta, como no Oriente. No entanto, uma seleção ditada pela moda e a necessidade de corresponder aos padrões de massa frequentemente impedem pessoas de mente independente de dar sua contribuição para a vida pública. Existe uma tendência perigosa de se travar e interromper o desenvolvimento bem-sucedido.
Recebi cartas na América de pessoas altamente inteligentes, talvez um professor em uma pequena faculdade distante que poderia fazer muito pela renovação e salvação de seu país, mas seu país não pode ouvi-lo porque a mídia não está interessada nele.
Isso gera fortes preconceitos de massa, cegueira, o que é mais perigoso em nossa era dinâmica. Existe, por exemplo, uma interpretação autoilusória da situação mundial contemporânea. Funciona como uma espécie de armadura petrificada nas mentes das pessoas. Vozes humanas de 17 países da Europa Oriental e a Ásia Oriental não podem perfurá-la. Só será quebrada pelo pé de cabra impiedoso de eventos.” (…)

O cenário descrito por Solzhenitsyn já demonstrava o quanto a mídia direcionava o que deveria ser visto e quem deveria ser ouvido. Todavia, Solzhenitsyn não explicitou a quem esse movimento atendia. Tanto o eugenismo quanto os movimentos identitários têm na mídia seu principal aliado, mas pode ser ainda um tanto obscuro para a maioria das pessoas quem manipula as cordas.

Das consequências do eugenismo, já temos conhecimento; das consequências dos movimentos identitários, podemos deduzi-las a partir do que sabemos sobre o passado. Esperaremos, como disse Solzhenitsyn, “pelo pé de cabra impiedoso dos eventos”? Esperamos que não!

Quando testemunhamos grupos se dividindo, pessoas se odiando e a racionalidade cedendo espaço a teorias utópicas, nos vêm à mente os exemplos do passado. Eugenismo e identitarismos, aparentemente tão diferentes, mas com efeitos tão semelhantes. O primeiro foi superado; quanto aos últimos, precisaremos perseverar.

“Aquele que perseverar até o fim, esse será salvo.” (Mateus 24:13)


Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 47 - ISSN 2764-3867



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