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O jornalismo é para os valentes

A publicidade é para o Governo


O jornalismo é para os valentes

A Organização das Nações Unidas (ONU) determinou, em 20 de Dezembro de 1993, a criação do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Há uma frase interessante, atribuída a George Orwell, que queria reproduzir aqui: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”

Entrei na faculdade de jornalismo em 2009, precisei abandonar em 2011, e a pouco tempo retomei o curso. Mesmo com quase 15 anos de distância, o discurso acadêmico permanece: “o jornalismo deve ser imparcial, deve ouvir os dois lados da história, deve mostrar fatos, ainda que incômodos”. Contudo, há um abismo entre o discurso acadêmico e a realidade que nos cerca.

Na verdade, a chamada “mídia tradicional”, aquela que se diz imparcial, tem mostrado que possui lado, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo; e claro, a imprensa escolheu o lado progressista da força.

Com isso, veículos mais direcionados ganharam força nos últimos tempos: a Gazeta do Povo, jornal com mais de cem anos de tradição, foi um dos poucos que não se rendeu à agenda e tem se mantido íntegro; a Revista Oeste, nascida em 2020, tem se destacado ao mostrar verdades em tempos de jornalismo bancado pelo governo.

Não penso ser errado existir um veículo mais à direita (Revista Oeste) ou mais à esquerda (Revista Fórum, Brasil 247, etc); acredito que com esta pluralidade, o público tem liberdade de pesquisar e apurar por si próprio nos fatos e tirar suas próprias conclusões. Isso se chama liberdade.

Mas, sabemos que, assim como nas ditaduras ao redor do mundo, o Brasil está passando por um momento muito delicado no que diz respeito à liberdade de imprensa. Desde 2019, com a censura contra a Revista Crusoé, jornalistas veem dificuldade em trabalhar por medo de que o judiciário (e agora, o governo) intervenha.

A matéria “O amigo do amigo do meu pai”, da Crusoé, mostra que o ministro Dias Toffoli mantinha relações com a empreiteira Odebrecht, a mesma empresa que possuía uma lista de “beneficiários” de suas propinas. Quem não se lembra dos codinomes “Montanha” (Paulo Pimenta), “Amante” (Gleisi Hoffman), “Nervosinho” (Eduardo Paes), “Avião” (Manuela D’ávila) e “Amigo” (Lula)?

Em Março do mesmo ano, Alexandre de Moraes abriu o inquérito mais escandaloso da história do Judiciário, o conhecido “Inquérito das Fake News”, ou chamado pelo ex-ministro Marco Aurélio, “Inquérito do Fim do Mundo”; isso porque Moraes é o criador, relator e julgador de todo o processo (que não foi encerrado) e que um ministro do Supremo jamais poderia ter tal procedimento. E foi contra a matéria da Crusoé que Moraes iniciou sua inquisição contra todo e qualquer veículo e jornalista que publicasse algo que ele, Moraes, considerasse mentira.

A situação foi tão escandalosa na época que até o site G1 (do grupo Globo) chamou a ação de censura. A chamada diz “STF censura sites e manda retirar matéria que liga Toffoli à Odebrecht”. Desde então, a perseguição escalonou.

Em 2022, ano de eleição presidencial, houve a maior manobra já realizada desde a Proclamação da República para que um candidato fosse eleito: Moraes, à época, presidindo o Tribunal Superior Eleitoral, acatou mais ações de Lula contra Bolsonaro do que o exato oposto; contudo, a pior de todas foi a movida contra o Grupo Jovem Pan.

A pedido da Coligação Brasil da Esperança – de Lula – três direitos de resposta ao petista foram concedidos a mando do TSE por falas feitas por jornalistas da emissora. O pedido diz que comentaristas da emissora teriam proferido “falas de conteúdo ofensivo e divulgado informações retiradas de contexto desfavoráveis ao ex-presidente”. Também foi decidido que os jornalistas não poderiam falar sobre o assunto, sob pena de multa diária para o canal e para os jornalistas de R$ 25 mil.

Não, o leitor não entendeu errado: JORNALISTAS FORAM IMPEDIDOS DE FALAR O QUE PENSAM EM REDE NACIONAL.

O jornalista especialista em celebridades, conhecido como Fefito (que, inclusive, trabalhou na Jovem Pan), teve acesso a circular de dentro da emissora que dizia:

“Caros, com base em decisão do TSE proferida nesta segunda-feira, estamos orientados pelo jurídico a não utilizar as seguintes expressões nos programas da casa: Ex-presidiário, Descondenado, Ladrão, Corrupto, Chefe de organização criminosa. Além disso, não devemos fazer qualquer associação entre o candidato Lula ao crime organizado. E mais: as críticas aos ministros e ao judiciário não são recomendadas pelo nosso jurídico neste momento.”

O momento mais emblemático para mim, particularmente, foi o que assisti ao vivo na época, no programa Os Pingos nos Is, a jóia da emissora. Ana Paula Henkel foi interrompida pelo âncora, Vitor Brown (que não queria fazê-lo) e, quando foi chamada no próximo bloco, Ana leu uma receita de bolo.

Sei bem que os comunistas saudosistas da revolução dizem que jornais da época eram censurados e tinham que publicar receitas no lugar de determinadas matérias, e de fato, isso ocorreu. Mas, em 1964 era ditadura, e hoje é o quê? Para eles, “democracia”.

Para combater supostas notícias falsas publicadas em desfavor do governo, foi criado em 2023 o site Brasil contra Fake. Segundo consta no próprio site, a campanha “tem como objetivo fornecer informações públicas relacionadas ao governo federal de maneira acessível e interconectada. Isso é crucial para combater a desinformação, uma vez que as informações são apresentadas de forma clara e didática, fazendo referência direta às fontes legais, decretos e publicações no Diário Oficial da União.”

Porém, o “governo do amor”, não satisfeito, abriu cadastro para voluntários denunciarem o que consideram fake news; ou seja, uma “rede de informação de combate às fake news” que mobiliza pessoas a denunciar umas às outras.

Onde será que vi isso antes? Lembrei: na URSS.

Durante as primeiras décadas da União Soviética, denúncias eram feitas até por crianças contra os próprios pais. Muitos acreditavam sinceramente que estavam fazendo a coisa certa e necessária. O próprio Estado incentivava a população a redigir denúncias para identificar os “inimigos do povo” escondidos entre os “trabalhadores honestos”. Na edição de 1926 do Código Penal, os cidadãos soviéticos eram ameaçados com pena de prisão por “não relatar sobre crimes contrarrevolucionários planejados ou cometidos”. Ao mesmo tempo, denúncias falsas também podiam levar à prisão.

Na retórica do Estado soviético, as denúncias eram chamadas de "sinais". Cada cidadão era obrigado a estar vigilante e "sinalizar" às agências policiais sobre qualquer "pessoa suspeita" que conhecesse.

O termo fake news (cunhado por Donald Trump em 2017, em coletiva, e direcionando sua fala para repórter da CNN) foi sequestrado pela ala progressista, assim como o termo democracia. Hoje, fake news se refere a qualquer notícia que seja anti-governo (de esquerda, claro), e democracia, todo ato do governo (de esquerda, obviamente); é como a frase de Millor Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim.”

Então o governo petista é contra toda e qualquer prática de jornalismo? Não. Ele é contra aqueles que não concordam com o “amor”; contudo, seus companheiros são defendidos, mesmo que sejam estrangeiros.

No Domingo, 19 de Maio, Lula fez uma publicação em sua conta do twitter para tratar da “perseguição” contra o jornalista australiano Julian Assange:

“Julian Assange, o jornalista que deveria ter ganhado o Prêmio Pulitzer ao revelar segredos dos poderosos, ao invés disso está preso há 5 anos na Inglaterra, condenado ao silêncio de toda a imprensa que deveria estar defendendo a sua liberdade como parte da luta pela liberdade de expressão. Espero que a perseguição contra Assange termine e ele volte a ter a liberdade que merece o mais rápido possível.”

Para quem não está ligando o nome à pessoa, o australiano Julian Assange é o criador do Wikileaks e ganhou atenção internacional em 2010 quando o site publicou uma série de documentos sigilosos do governo americano que haviam sido vazados. A defesa de Assange sustenta que ele fez “uma prática jornalística comum, de obter e publicar informações confidenciais, informações verdadeiras e de interesse público evidente e importante”, enquanto a acusação critica o australiano por ter publicado nomes de pessoas que eram fontes de informação. Assange enfrenta 18 acusações sob a Lei de Espionagem dos EUA.

Mas por que Lula defende este jornalista em particular? Porque os tais documentos vazados comprometem os Estados Unidos, pois supostamente mostram que o país teria orquestrado a guerra do Iraque e do Afeganistão. E sabemos do ódio que Lula e sua turma nutrem contra o que chamam de “imperialismo americano”.

Em contrapartida, o jornalista que denunciou os hábitos etílicos de Lula foi quase expulso do Brasil; Larry Rohter, jornalista do The New York Times, escreveu: “Luiz Inácio Lula da Silva nunca escondeu seu gosto por um copo de cerveja, uma dose de whisky ou, melhor ainda, um gole de cachaça, o potente licor brasileiro feito com cana-de-açúcar. Mas alguns de seus conterrâneos começaram a questionar se a predileção do presidente por bebidas fortes está afetando a sua performance no governo”.

Me atrevo a dizer que esta citação, de 2004, é tão atual como na época em que foi escrita.

À época, o Ministério da Justiça informou que o visto de permanência de Rohter no Brasil seria suspenso. Na nota, a pasta alegava que a resolução havia sido tomada “em face de reportagem leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente da República Federativa do Brasil, com grave prejuízo à imagem do país no exterior”.

Com tudo isso, como afirmar que temos liberdade de imprensa no Brasil? Apenas os que são “amigos do rei” (ou do cachaceiro, se o leitor preferir) são livres para falar – sempre contra o que denominam “extrema direita”.

De fato, realizar um trabalho jornalístico sério no Brasil é para corajosos; quem escreve ou possui canal no YouTube se arrisca todos os dias, com alta probabilidade de receber uma visita da polícia federal; o resto, é publicidade – para o governo.


Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 42 - ISSN 2764-3867

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