Teologia da missão integral
- Danielly Jesus
- 21 de mai.
- 10 min de leitura
A maldição da teologia da missão integral no meio evangélico

Nos dias que antecedem a Páscoa temos a quaresma, que são quarenta dias onde os cristãos refletem sobre a vida, morte e ressurreição de Jesus. E na contramão, temos a imprensa militante com suas matérias repetidas ad eternum: “Jesus realmente existiu?”, “Jesus teve um caso com Maria Madalena?”, “Jesus ressuscitou mesmo?” e outros títulos aberrantes.
A mídia dita “tradicional”, sabemos bem, quase sempre foi anticristã, então não há mais surpresa. Contudo, o maior problema está no meio da igreja, que a Bíblia denomina de joio. Nosso Senhor Jesus Cristo explicitou esta situação na seguinte parábola:
"O Reino dos céus é como um homem que semeou boa semente em seu campo.
Mas enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo e semeou o joio no meio do trigo e se foi.
Quando o trigo brotou e formou espigas, o joio também apareceu.
Os servos do dono do campo dirigiram-se a ele e disseram: O senhor não semeou boa semente em seu campo? Então, de onde veio o joio?
Um inimigo fez isso, respondeu ele.
Os servos lhe perguntaram: O senhor quer que o tiremos?
Ele respondeu: Não, porque, ao tirar o joio, vocês poderiam arrancar com ele o trigo.
Deixem que cresçam juntos até a colheita. Então direi aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro.” (Mateus 13.24-30)
O joio é morfologicamente muito parecido com o trigo e cresce nas zonas cerealíferas; é considerada uma erva daninha desse cultivo. A semelhança entre essas duas plantas é tão grande que em algumas regiões costuma-se denominar o joio como “falso trigo”. Contudo, após maduro, o joio é fácil identificar e arrancar, diferenciando assim o trigo do joio.
Outro nome para joio é cizânia, que significa discórdia, divisão. Ou seja, o trigo, a semente verdadeira, traz resultado. O trigo é a representação da palavra de Deus; já o joio é a confusão semeada pelo diabo. E o joio que temos atualmente possui dois nomes: teologia da libertação e da missão integral.
Mesmo com nomes aparentemente diferentes, essas “teologias” possuem o mesmo objetivo: retirar a divindade de Cristo, tratando-o como mero profeta e homem bom, que pregava o amor e a “justiça social” e que por isso foi morto. A teologia da libertação infectou a Igreja Católica, contudo, hoje podemos ver o joio crescido, havendo condições para que o mesmo seja extirpado.
Mas, quando se trata da teologia da missão integral, a situação ainda não está muito clara para as lideranças evangélicas. Muitos pensam que estão realizando a vontade de Deus quando, na verdade, estão “plantando o joio com o trigo”. Neste momento, alguns possuem muita dificuldade em discernir uma coisa da outra, e isso é preocupante. Citarei dois exemplos de “joios” sendo plantados em nosso meio.
A rede globo é a maior emissora do país e a que mais odeia os cristãos, em especial, os que ela denomina “crentes” de forma pejorativa. Quando em novelas, sempre retratou mulheres evangélicas como feias e completamente bregas no tocante à vestimenta. O ápice do ataque foi em 1995, com a minissérie “Decadência”, escrita por Dias Gomes. No primeiro capítulo, a obra mostra o “pastor” em um caso de adultério e que, antes do ato sexual, retira o sutiã da amante e o coloca por sobre a Bíblia.
Durante muitos anos, a emissora foi ostracizada pelos evangélicos. Contudo, visando ganhos monetários, a mídia dos Marinho mudou de tática: aos poucos, foi incluindo personagens evangélicos em suas tramas, desta vez, sem o esteriótipo de “zé povinho”, que sempre lhe foi peculiar. Até cantores gospel têm suas músicas incluídas nas trilhas sonoras das produções.
Agora, a última cartada foi a produção de um documentário. “Crentes - além dos muros” é uma produção da GloboPlay que mostra a atuação das igrejas evangélicas nas periferias. “Mas isso é maravilhoso”, pode pensar o leitor. É justamente aí que a teologia da missão integral ganha força. A série não trata de conversões e de como o Senhor Jesus transforma vidas, mas faz uma separação entre “evangélicos históricos” (batistas e presbiterianos), como sendo uma espécie de “elite”, e os pentecostais (assembleianos e outros), que pertencem à periferia. Propositalmente, a série associa boas ações com salvação.
Nas imagens, são vistas ações sociais diversas realizadas pelas igrejas das periferias (balé, artes marciais, alcoólicos anônimos, etc.). Ressalto que estas atividades são de vital importância, mas não possui qualquer interesse em mostrar que a conversão se dá por meio da palavra, e sim, pelas boas obras desfrutadas pela população. Onde está Jesus? Ele não existe na série.
Um dito antropólogo que aparece na série, chamado Juliano Spyer, retrata o perfil dos membros dessas igrejas: “Os membros são, majoritariamente, pretos ou pardos, pobres, periféricos, jovens, e a maioria são mulheres”.
Existe uma matéria aplicada em diversos cursos superiores denominada metodologia de pesquisa, onde se aprende a como realizar uma pesquisa e quais ferramentas utilizar para que esta seja a mais confiável possível. Parece que Spyer não estudou isso no curso de Antropologia: nas palavras dele, ele chegou a essa conclusão pilotando uma moto e contando igreja por igreja.
Outro personagem da série é interessante para nossa análise: pastor José Marcos, líder da Igreja Batista em Coqueiral. Aliás, em uma rápida pesquisa no perfil do Instagram da Igreja, me deparei com um banner de um seminário intitulado: “Martin Luther King: a força do Evangelho para redenção social”.
Em uma outra postagem, ele anuncia um “culto de graças” para os novos aprovados nas instituições de ensino UFPE, UPE e ETE. Além disso, pediu também um prato de comida para a festa. “Mas é importante comemorar!”, pode dizer o leitor. Sim, mas a “festa” substituiu o culto de Domingo.
O tal pastor, em seu depoimento para o documentário, trouxe um dado: “80% dos pastores tiveram algum tipo de adoecimento mental”. Fiquei curiosa, afinal, não me lembro dos meus pastores terem participado de qualquer tipo de pesquisa. Acredito em pastores que estão sobrecarregados, mas 80% é um número alarmante. Será que esses dados são confiáveis?
Como jornalista, fui checar. Em uma matéria do site Folha Gospel, intitulado “Pastores estão entre os mais afetados pela síndrome de burnout” (publicada em 09/04/2024), encontrei um estudo chamado “The State of Pastors” (A Situação dos Pastores em tradução literal), que foi produzido pela Visão Mundial e pelo Instituto Barna Group. Achei esse nome estranho, resolvi me aprofundar na pesquisa.
Ao abrir a aba “Sobre” do tal instituto, quase tive uma síncope: a Barna Group trabalha com instituições que não possuem nenhum viés cristão, como a Gates Foundation. E o mais chocante foi a associação com uma ONG de “proteção aos animais”, Humane Society, mas que, na realidade, é uma instituição que visa implementar o veganismo.
Agora o leitor entende a ação da teologia da missão integral?
Custou um pouco (quase que de forma monetária), mas encontrei finalmente o tal estudo. Como imaginei, os números citados pelo pastor no documentário, embora preocupantes, são inflados. No estudo, 54% dos pastores sentem exaustão mental ALGUMAS VEZES. Na tabela “Risco de Burnout”, somente 11% possuem alto risco de serem vítimas.
Agora, vamos à amostragem. Vou escrever aqui ipsis literis como está no site da Barna:
“Barna realizou 523 entrevistas online com pastores protestantes seniores (45 anos ou mais) nos EUA a partir de agosto 28–Setembro 18, 2023. As cotas foram definidas para garantir a representação por denominação, tamanho da igreja e região. Foi aplicada ponderação estatística mínima para maximizar a representação, sendo o erro amostral de +/- 4,3% ao nível de confiança de 95%.”
Em relação às denominações que participaram da pesquisa, Barna dividiu entre “principal” e “não-principal” (quase a divisão que a rede globo fez para seu documentário):
Linha principal: pastores de denominações protestantes, como Africano Metodista Episcopal (AME), American Baptist USA, Igreja Cristã Discípulos de Cristo (DoC), a Igreja Episcopal, Igreja Evangélica Luterana da América (ELCA), Igreja Unida de Cristo, Igreja Metodista Unida (UMC) e Igreja Presbiteriana EUA (PCUSA)
Não-principal: pastores de tradições protestantes, como igrejas carismáticas/ Pentecostais, a Convenção Batista do Sul, igrejas na tradição Wesleyana-Santidade e igrejas não denominacionais não incluídas na linha principal
Não daria para explicitar quais as diretrizes de cada igreja neste singelo artigo, mas, a título de exemplo, citarei um caso. Pesquisando o site das Igrejas Batistas Americanas dos EUA, descobri uma aba que trata sobre ecumenismo. Sim, as instituições batistas possuem diretrizes para tal.
Se os “institutos de pesquisa” possuem associações progressistas, não se pode esperar que o resultado seja isento. Embora o estudo trate de um tema que considero importante — a situação dos pastores — ele não é confiável, haja vista que nem todas as denominações foram ouvidas. E o objetivo da pesquisa visa o seguinte: tratar mais do social da igreja e menos do espiritual.
Vamos entrar em outro caso prático do avanço da teologia da missão integral. Como disse no início deste artigo, quase toda a mídia de massa é anticristã. Mas, o que fazer para atrair este público? Simples: “vamos trazer pastores como colunistas, mas que falem aquilo que nós queremos ouvir.”
Na semana santa um artigo chocou até quem não é cristão. Intitulado “Judas traiu Jesus ou Jesus traiu Judas?”, o texto de opinião foi publicado pela Folha de São Paulo e escrito pelo pastor presbiteriano independente, Valdinei Ferreira.
Como estudante autodidata de Teologia, confesso que nunca tinha ouvido falar deste pastor. Nomes como Hernandes Dias Lopes, Augustus Nicodemus, Arival Dias Casimiro, o pastor e também locutor JR Vargas, entre outros, são nomes conhecidos no meio evangélico. Mas seu Valdinei não me era conhecido até vê-lo na Folha. E existem apenas duas opções para um pastor ter seu nome estampado neste jornal: ou a Folha detesta, ou ama e concorda com sua ideologia. Infelizmente, este pastor parece ser amado.
Valdinei é líder da Catedral Evangélica de São Paulo. No site da igreja, descobri que a instituição possui uma revista intitulada “Visão”. Em duas edições, percebe-se o viés progressista: a edição nº68 apresenta uma matéria de capa com o título “Ódio e polarização” (penso não ser necessário explicar sobre o quê — ou quem — se trata, não é?).
A edição nº 70 traz como destaque uma matéria chama “Sionismo cristão”. Fiquei com a pulga atrás da orelha, confesso. Fui pesquisar.
Prometo analisar o tema sionismo com mais detalhes, mas em resumo isso significa a autodeterminação do povo judeu, o direito de voltar e ocupar sua terra de origem. A palavra vem de Sion, Sião, o Monte Sião, o Monte do Templo, que remonta à instituição de Israel como nação a partir da conquista de Jebus, que se tornou Jerusalém. Ou seja, não é pecado ser sionista, pelo contrário.
E para fechar com chave de lama, uma das fontes de pesquisa para esta matéria foi Judith Butler.
Voltemos ao pastor: encontrei uma matéria de 2017 no portal UOL, onde Valdinei comenta sobre um manifesto intitulado “Reforma Brasil”. Os itens do documento são:
Fim do foro privilegiado;
Fim das reeleições sem limites para o legislativo;
Fim das emendas legislativas no orçamento da União;
Criação do voto distrital; racionalização “do tamanho, da proporcionalidade e dos custos da representação política na esfera da União, dos Estados e dos Municípios”;
Redução da influência do dinheiro no financiamento das campanhas eleitorais;
Aprimoramento dos mecanismos de nomeação e aprovação para os tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral e Tribunais de Contas de União, Estados e Municípios).
Nada demais, a priori. É uma lista aparentemente justa e não vejo problema na manifestação da igreja em geral. Contudo, a coisa começa a ficar estranha logo a seguir quando o referido pastor se incomoda com líderes evangélicos se candidatando a cargos públicos e alega que não há “seriedade” nessas candidaturas.
E deixo aqui um trecho completo da matéria onde é nítido o viés progressista do seu Valdinei:
“Indagado sobre os temas de natureza moral combatidos na bancada evangélica – entre os quais os vinculados aos direitos da população LGBT e, mais recentemente, sobre os limites a exposições artísticas em museus --, o pastor classificou as ações como “cortinas de fumaça” dos parlamentares que empunham essas bandeiras”.
Finalmente, vamos analisar o artigo escrito para a Folha.
Uma das estratégias utilizadas tanto por membros da Teologia da Libertação como da Missão Integral é o argumento da autoridade. Para ratificar sua posição, eles buscam pesquisadores, teólogos, líderes e afins. E é disso que Valdinei se utiliza para tentar validar sua tese.
O artigo inicia com o pastor citando Jean-Yves Leloup. Este é um teólogo, escritor e tradutor francês de textos em grego e copta, nascido em 1950 em Angers. É autor de mais de noventa livros em francês, alguns traduzidos para outras línguas, incluindo inglês, alemão, espanhol e português. O tema principal de seus escritos é a espiritualidade cristã.
Traduziu e comentou os evangelhos apócrifos da biblioteca de Nag Hammadi, segundo Tomé, Filipe e Maria (Maria Madalena), bem como o Evangelho segundo João e o Apocalipse. Explora também as tradições meditativas e monásticas da Igreja Ortodoxa (Hesiquiasmo) e os ensinamentos dos Padres da Igreja, especialmente os Padres do Deserto, em particular Evágrio do Ponto. Investiga o papel do Feminino na história do Cristianismo e considera o diálogo com outras tradições espirituais.
Leloup é pioneiro da psicologia transpessoal e fundador do Instituto para o Encontro e Estudo das Civilizações (ecumenismo) e do Colégio Internacional de Terapeutas. A partir de 1981, foi responsável, juntamente com outros religiosos e seculares, pelo Centro Internacional, “universidade do terceiro milênio”, dedicado ao espiritual e à interculturalidade, aberto ao acolhimento de tradições espirituais orientais na antiga hospedaria dominicana de Sainte-Baume.
É importante conhecer a biografia deste filósofo para entender onde Judas entra nesse assunto. Leloup analisou o “Evangelho de Judas”, um livro tão apócrifo que nem católicos, nem protestantes o reconhecem como canônico. Para o filósofo, Judas é um arquétipo, que mostra que todos podemos fazer o mal pensando estar fazendo o bem.
O livro apócrifo — pasme, caro leitor! — diz que Jesus de Nazaré pediu a Judas para ser entregue aos oficiais, o que não faria do discípulo um traidor, mas obediente.
Trecho na íntegra do artigo do seu Valdinei:
“…Jesus teria ‘enganado’ Judas por saber que ele era um zelote — integrante de um grupo armado que lutava contra os romanos. Judas teria atendido ao pedido por imaginar que a prisão de Jesus desencadearia um conflito no qual o Messias, entendido como um libertador militar, se revelaria.”
E mais:
“… que cada cristão admita seu lado obscuro e reconheça que todos são capazes de traições e equívocos em suas interpretações sobre Jesus (…) quando ouço políticos evangélicos, como Nikolas Ferreira, afirmando ‘Deus está do nosso lado’, lembro de Judas – e de como convicções firmes sobre o bem e mal podem ser enganosas.”
Primeiro: alguém que se diz cristão e se utiliza de um texto apócrifo para fundamentar uma tese pode ser chamado de qualquer coisa, menos de cristão. Segundo: cogitar, ainda que remotamente, que Nosso Senhor deu um “sambarilove” em alguém é cuspir em Sua Dignidade, Divindade e zombar do seu caráter. Terceiro: esse tipo de interpretação ofende o propósito da vinda do Senhor Jesus a este mundo: verter Seu Precioso Sangue para salvar a nossa alma! (até mesmo a do infeliz que escreveu isso).
Todo cuidado é pouco quando se trata da TMI. É uma vertente maligna que deseja extirpar a divindade de Cristo, exaltar a “justiça social” e a “salvação” de um sistema político, não das almas.
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Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. IV N.º 53 edição de Abril de 2025 – ISSN 2764-3867
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